12.5.08

Aparelho

Estamos aqui reunidos, em nome de qualquer alegria, para celebrar qualquer alegria que se pareça com algo vivido no, sei agora, impossível bar Feio.

Tal qual naquele antigo paraíso – hoje, olhado com desdém, com desfeita, com tédio –, buscamos o mar de gargalhadas que impeçam a desordenada torrente de incertezas que pululam a mente ocupada em correr atrás de vento.

Outrora, éramos “bebuns” e, em verdade vos digo, daqui, não parecem piores. A bem da verdade, não eram risos piores. Muito pelo contrário...

Aqui, nos refugiamos, depois de dolorosas negociações, para o debate mais livre das grandes questões triviais. Sim, aqui, tal qual nos bares Feios que lotavam o mundo antigamente, se busca um flerte com a liberdade – e suas horas contatadas; e não foi/é sempre assim?

Aqui, rimos aos cântaros cheios de águas não vertidas. Somos negociadores, somos felizes à revelia. Ainda que, hoje, qualquer projeto já nasça fadado – perdoem o exagero. Sua luminosidade perpetua o tempo deste encontro. Nasce, brilha e morre no decorrer deste brinde e na entrega da conta pelo anfitrião insalubre – este pajé de gravatinha borboleta.

O desespero é tamanho que a risada – ainda que inteligente – é muita mais gratuita. É desesperada. Queremos falar de eternidades – mas estamos cada vez mais convictos da finitude.

No aparelho, estão os esquerdistas que conhecem o bom vinho francês, esgrimam facilmente a etiqueta das altas rodas, modelam sua força perante a força.

Feliz o mundo que conta com 99% de homens comedidos, de esquecíveis – que a terra leve seja; permita-me este cacófato, perdido amigo. Que tenhamos árvores fortes.

Veja que a poesia deste novo bar é mais sofisticada. E mais pobre. Que sua perspectiva é de metais. E não tem mais os olhos do açum preto. Na casa dos homens maduros o viço assusta, o ímpeto é rejeitado; só se abre os braços para a boa temperança da idade... enfim, não podemos ser jovens pra sempre, sob o risco de parecermos ridículos.

***

E na mesa do bar, o bêbado grita:
_ Eu, por mim, conto minhas desditas. Amo sem saber amar – e perambulo – e sem saber-me amado.
O meu coração, que não bate mais, ou pior, bate em ritmo de samba antigo, o meu coração não é meu.
Anda perdido nas ruas da Tijuca ao Flamengo. E aqui, na Lapa, em meio a tanta alegria, empurra a tristeza garganta adentro.
O meu coração é dado a resmungos – escritos nas paredes dos copos deste novo bar.
Meu coração não é meu. É teu.
Onde estás?
Meu coração não é meu, mas dizei uma palavra e serei salvo.
Amém.

2 comments:

  1. "Às vêzes me pego escrevendo seu nome no suor de um copo de vodka".

    Quem ainda não andou por aí, pela Lapa ou pelo Bexiga, com o peito doído pelo coração partido, não sabe o que é dor de cotovelo.

    Belo retorno! Escreva mais!
    Braços!

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  2. Obrigado, Toninho.
    Tentarei. Juro que tentarei... rs. Escrever me economiza o analista.
    Abraço.

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