Diante da abiose (ausência de vida – esperei mais de 20 anos para usar esta palavra; do tempo que para fazer um poema eu recorria ao dicionário e, enfim, ou o poema ficava cheio de palavras estranhas com a letra A, ou estranhas com a que calhasse) na minha cabeça: faltam assuntos, faltam turbulências, tudo está calmo (e do quê reclamo?), não me resta alternativa a não ser dialogar com as crônicas do mercado.
Há tempos, leio o Jabor, o Veríssimo, o João Ubaldo, o Gaspari, o Wolff, e até o Xexeo, entre outros. Sou mesmo capaz de identificar um texto apócrifo quando o recebo. Percebo, claramente, que não é o Jabor – alvo favorito destes grandes escritorezinhos da net; rapidamente percebo que avacalharam o Veríssimo e por aí afora. Então, não é de espantar que o texto de um ou outro fique “reverberando” no meu consciente (vazio, lembram?) e, apenas por uma questão de escrúpulo, não venha parar neste espaço de permissividade, com outras palavras. (Sei que está tudo perdido, mas um mínimo de ética, por favor.)
Entretanto, hoje, eu abdico. “Enquanto ela não chegar”, ou até que a vergonha suplante a minha necessidade de escrever, qualquer coisa que seja, todos os textos estão autorizados.
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O texto do Jabor, de hoje, terça, 24/06/08, me fez lembrar meus tempos de magrelão tímido, incapaz de reconhecer a felicidade quando ela lhe cruzava as pernas, ou tirava a saia escolar à sua frente.
“Foi um tempo de aflição”, e, por que não dizer?, apelação. Pra piorar, eu ainda era poeta – se é que alguém com 13, 14 anos possa se intitular poeta se tiver juízo – coisa que hoje eu não faço mais. Tímido como uma porta, amei diversas vezes a mesma menina, durante três anos sem falar nada – sem falar nada literalmente, mas mandando milhares de sinais de fumaça.
Era um sofrimento. Sentava na cadeira atrás da musa e, ao lado do amigo Volpone, que, por sua vez, também estava enamorado da amiga à frente, ficava a fazer-lhe sinais e desenhar estratégias. Eram horas, nas cadeiras da Escola Municipal Vicente Licínio Cardoso (Obrigado, professor José Carlos! Obrigado professor Freire! Obrigado, professora Valéria!), cantando “toda vez que te olho, crio um romance, te persigo mudo todos os instantes”, puxando qualquer assunto, fazendo qualquer piada, pensando em textos perfeitos que seduziriam aquela mulher, a mais importante do mundo. Uma deusa intocável, minha Marília, minha Lídia, minha Ísis.
(Mundo louco! E, de repente, daqui a um ano, estarei ali de novo. Só que, agora, na frente dos alunos e, como num Encontro Marcado, me verei sentado naquela cadeira, ou na sala da diretora escrevendo, pela milésima vez, não devo conversar na sala de aula, não devo conversar na sala de aula...)
Ensaiava. Adivinha as possíveis respostas. Era um perfeito advogado da teoria.
“Se ela disser isso, eu respondo assim... é isso. Caramba, ela vai ficar impressionada! Mas, caso não fique, eu falo isso e isso também... é... aí... já era.”
Era um tempo em que as meninas se impressionavam com frases de efeito, com poesia. E você tinha que parecer inteligente realmente. E pra parecer era bom que fosse, nem que um pouco, caso contrário, a galera pegava. Até dava pra falar de Olavo Bilac, ou Camões, (eu os decorava) com algumas. Você podia cantar “Às vezes parecia / que era só acreditar / em tudo que achávamos tão certo...” e, pronto, um coral se fazia. Não tínhamos ouvido direito ainda o Caetano, o Chico, eu só conhecia o Belchior pelas piadas do Renato Aragão, eu não conhecia “quero amar você/ de todas as maneiras que eu puder viver você/.../ e eu nem preciso asas pra voar”. É a gente ainda não conhecia e pensava que “Você/ é algo assim/ é tudo pra mim/ é mais queu sonhava” era tudo o quê precisava ser dito.
Naquela época, as meninas já davam – viu, Jabor?. Mas, quase sempre, davam pro mesmo carinha boa pinta e um pouco mais velho. O pior que a gente tinha inveja, mas o cara era irmão. Era inteligente também. Então... fazer o quê? “Vai reclamar com Deus.”
A gente dançava pulando. A gente não sabia a história do rock. Éramos ignorantes-inteligentes e felizes. Não tínhamos coreografia. Tínhamos Titãs, tínhamos Paralamas, Legião, Plebe, Capital, Biquíni, Ojerizah, Finis Africae, Zero. “Sem caminhos pra seguir na incerteza de chegar/ quem decide por partir só pensa em procurar/ um futuro com alguém/ não importa o que passou/ já nem se lembra mais/ quer é recomeçar/.../ Tanta vida pra viver/ querendo se entregar/ tanta coisa por fazer/ pra se purificar/...
(Putz, isto ainda é bom!!)
Achávamos que o Renato era uma espécie de profeta.
E a pequena (esta é do tempo dos meus pais) vinha pular na nossa frente. E a gente cantava tudo com todos as gargantas da alma. Não era apenas uma música, dizia a verdade. “Eu quero levar uma vida moderninha”, “eu quis dizer/ você não quis escutar”, “eu sei/ jogos de amor são pra se jogar/ ah!, por favor, não vem explicar/ o que eu já sei/ e o que eu não/”, “exagerado, jogado ao teus pés/ eu sou mesmo exagerado”...
E, de repente, o dj – naquela época, eles não tinham nomes que a gente esquecia rápido, nem eram profissionais, aliás, naquela época, as festas não eram organizadas, eram arrumadas, cada um levava alguma coisa e, pronto, eis uma festa –, o dj parava o rock e botava uma música lenta.
Então, a menina, linda, com aqueles olhinhos, um sorriso branquinho, as mãozinhas pequenas protegidas pelo casaco de moleton, ela, parada à sua frente, olhando pra você como que dizendo “vamos dançar”... e você com aquela cara de “pôxa, será que ela quer dançar comigo?”... e, então, com sua calça jeans velha, o seu tênis surrado e uma camisa de botão e manga comprida, respirava fundo, tomava coragem e perguntava “a festa tá muito boa, né?”...
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Ó, maldita insegurança!
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Gostei da fórmula.
São os ensaios para uma vida amorosa, sem percalços, intromissão de verdades incomodas, só um desejo de viver de bicho, de se multiplicar como manda o evangelho, brincar de esconde esconde nas dobras da carne do outro, o rock era uma trilha sonora perfeita para os instintos - bom tempo - distintos da vida inteligente e sem gentileza que invadia corpos e saqueava-os. Perdi as contas de como a juventude pode ser morta, que ás vezes a felicidade ali era um erro, por achar que estavamos desvirtuados, por temermos a morte - essa outra face do amor. Porque afinal os poetas querem-na - e só cantam dessa maneira AMOR/MORTE. A juventude deve aproveitar essa energia, porque é a ressurreição - fora dela não há salvação. Só tormento- porque não se sabe se há algo lá fora, uma promessa. Fora disso somos todos Adãos vagando fora do Eden.
ReplyDeleteMariel Reis
Meu caro amigo, não se gosto mais de você do que de mim, mas seu comentário está muito melhor do que a crônica.
ReplyDeleteQue bom que ela o inspirou!!
Um abraço e tmj.
Max