Tive mesmo vontade de parar a leitura e voltar ao “Grande sertão: veredas” – que me dá tanto prazer, que reverbera tanto, que nunca o venci. Entretanto, uma conhecida de uma conhecida falou que a personagem que dá nome ao livro se jogaria debaixo do trem e, então, resolvi continuar. Uma cena com esta intensidade não pode ser ruim... mas, no caso, também não foi tão intensa assim.
Acredito, porém, que este livro já tenha feito muita gente chorar – aliás, os personagens masculinos se derretem fácil-fácil; até demais para um leitor de Borges, Nietzche, João Cabral de Melo Neto; achei-os, um tanto, afeminados. Porém hoje em dia, com as barbáries diárias, é muito difícil tanta delicadeza – até mesmo para sobreviver – mas, talvez, seja minha a deficiência.
Mesmo o desenrolar do drama que leva Anna Karénina às rodas do trem me parecem demais – notem que não falo de verossimilhança. Salva-se, creio, a crueza com que analisa as relações humanas, suas hipocrisias, seus acordos sobre o nada, enquanto se encaminha à estação. Parece haver uma contradição aqui, mas leiam o livro e me escrevem que, juro!, nos entenderemos.
O verdadeiro protagonista da história é o filosófico, logo confuso, Constantino Dmítrievitch Liêvin, que conclui o livro em paz com Deus e ciente de que ,independente desta paz, levará uma série de questões para o túmulo.
Se é possível um palpite aqui, e ciente de parte da biografia do Conde Tolstoi, é possível pensar que muito do que fosse Liêvin seria o Conde – mas, na verdade, todo personagem é um pouco o seu escritor; Liêvin talvez o fosse um pouco mais.
Permito-me afirmar que é uma literatura para mulheres – e, talvez, para mulheres daquele tempo.
Se você está com muito tempo sobrando, mas muito tempo mesmo, leia Borges, Guimarães, Camus, Sartre... mas, se não quiser, então vá à praia.
***
“Oitocentos mil livros e a noite”
Por outro lado, o pequeno “Jorge Luís Borges, Um ensaio autobiográfico” me encantou.
A princípio, a orelha me assustou. Lendo-a, pensei encontrar um Borges melancólico e fragilizado – a cegueira, a morte, Maria Kodama (permita-me o humor de mau gosto). Entretanto, as primeiras páginas me fizeram encontrar novamente o autor que norteio o 2º ciclo do grupo Conversando Literaturas, que eu, digamos, ministrei aos amigos.
Mais uma vez, encontrei sua análise fria como a lâmina de um punhal a respeito dos próprios primeiros textos – cujos livros, enquanto podia, comprava para queimá-los. Encontrei o que até então era uma hipótese de que aquela erudição toda, em alguns contos, era fantasia, invenção, farsa.
Ah, se eu tivesse lido este livro à época do Conversando, algumas passagens confirmariam as nossas elucubrações borgianas. E o mais irônico é que o que nos pareceu uma brincadeira do escritor levou diversos especialistas a buscar explicações e mesmo a desenvolver teses.
Ali está a mãe companheira e permanente, ali está Buenos Aires, a Literatura de língua inglesa, ali está Bioy Casares.
Ao término do pequeno livro de 158 páginas de letras grandes, percebi que não havia nada de piegas em Borges, muito pelo contrário, pelo menos nos textos, ele “caiu de pé”.
Sem paixão por Nietzche, ainda assim, “aos fortes, um brinde!”.
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