Em seu fundamental “Guerra cultural e retórica do ódio”, o professor da
UERJ, João Cezar de Castro Rocha, definiu o conceito de dissonância cognitiva
como a incapacidade de organizar os discursos com uma lógica e respeito mínimos.
Fazia todo sentido já que a lógica e o respeito levariam necessariamente ao
desmonte do desargumento que sustentou o desgoverno que nos deixou – já a
partir do seu maior pensador, o çábio Olavo de Carvalho, e suas teorias
ensandecidas, como a da Pepsi que utilizaria fetos abortados para adoçar seus
refrigerantes – menos teorias e mais prova de fé, é verdade.
Quando o ódio é bem disseminado, os argumentos, de toda espécie, se
tornam poeira, ou, para usar uma metáfora bíblica, tão ao gosto destes templos:
sementes que caem em terra seca. Seguem movidos pelo afeto dos grupos que, robôs ou
não, estão preparados para defender qualquer platitude, qualquer estupidez,
como quem defende a própria vida. (E se considerarmos que parte desse grupo viu
seus rendimentos aumentarem significativamente, faz todo o sentido que a defesa
supere qualquer mínimo resquício de uma ética coletiva, patriótica. É a eterna “guerra de todos contra todos” e esse
grupo está preparado para fazer o possível – e o impossível – para continuar
onde está.)
Nem a realidade alcança o convencido pelo desespero - ou por qualquer de
seus variantes, o ódio, o desprezo - de quem tem a resposta certa, ou de quem precisa fazer o outro crer nisso, a soberba de quem se sente superior, mesmo quando
possuidor da inteligência de uma ostra, ou por sua classe social, ou de-formação.
Nada é capaz de demovê-lo. Chegou ao Olimpo como serviçal, mas se sente Baco cristão - por isso aos 65 pode o prefeito do partido da Universal casar com uma menina de 16 anos. Bem-vindo à Idade Média. Mais lenha! (O noticiário informa que a criatura já fora presa por tráfico de drogas - e não estamos falando do Rio de Janeiro.)
É o caso dos argumentos atuais contra o novo governo. Não importa
apontar o caso da população ianomâmi, o convencido apelará para algo do tipo
"sempre foi assim”, quando não disser diretamente que os indígenas devem
ser trazidos à civilização e “submeter-se às maiorias”; não importa saber das
vacinas e dos medicamentos jogados no lixo ("uma falha pontual" - não
importa se os que falharam têm acesso a todos os medicamentos e socorros. Aqui,
o significado subjacente é "quem morreu não importa"); não importa o
aumento das bolsas para os alunos universitários, nem o retorno da verba das
faculdades públicas, até porque, aqui, mesmo que funcionários públicos, uma
parte é favor da privatização daquilo que serve ao outro (ou a si mesmo, quando
ele pode pagar – é o caso da saúde pública e do professor que recebe do Estado,
ou quer receber, para pagar um plano de saúde privado). Não sensibiliza nem
saber que o valor aluno/merenda foi, finalmente, atualizado. O último reajuste
foi em 2015 (advinha no governo de quem?)
Por fim, nos debates das tristes salas dos professores, a apatia, quando
o tempo está bom, é avassaladora: nos últimos meses, depois de 8 anos,
acalorou-se o debate sobre a implementação do piso salarial. Foram 7 anos em
que este tema foi sumariamente desconsiderado pelo governo estadual e, nem era
necessário dizer, pelo energúmeno que, em nome de deus, foi catapultado ao
poder pela maioria do povo brasileiro. Isso não importa. O ódio segue
preparando, com muito barulho e pouco argumento, óbvio!, seu retorno ao proscênio
do poder.
Nesse sentido, a entrevista do professor Paulo Arantes no podcast da
Ilustrada é apavorante. O Lula tem duas missões: sobreviver a um impeachment –
cuja sombra será permanente, ouça os gritos dos jornalecos e dos jornalineiros
de sempre; adiar a volta da extrema direta. Conseguiremos?
De qualquer forma, como disse Chico Buarque, ao receber o prêmio de
literatura, o lobo do fascismo continua à espreita. Lamentavelmente, alguns cordeiros
se apaixonaram pelo lobo e outros, os mais censatos, acreditam que podem controlá-lo.
O desejo de esquecer é geral e a História afônica não consegue sequer falar do
que aconteceu há seis meses.
Se não estivesse, junto com os que amo, sob a mesma tenda, torceria
para o circo pegar fogo.
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Imagem disponível em https://ac24horas.com/2021/09/08/o-genoma-do-odio/ Visitado em 26/04/2023.
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