De volta a um blablablá sobre
filmes que me tocaram, acabo de assistir ao muito bom “Monster”, do japonês Hirokazu
Koreeda (não lembro de ter visto outro filme japonês na vida), que está
dividido em três perspectivas: na primeira, apresenta as interpretações de Saori
(Sakura Andō), mãe solteira de Minato (Soya Kurokawa), com relação as vivências
de seu filho na escola; na segunda, vemos como o professor Hori (Eita Nagayama)
viveu as situações da escola – e da própria vida. Por fim, a poesia dura da
versão das crianças, os belos e surpreendentes Eri (Hinata Hiiragi) e Minato (Soya
Kurokawa). A cada momento, o espectador é convidado a se posicionar e descobre,
naturalmente, que se posicionou de forma apressada – menos no final, claro!,
quando descobrimos que a terra não é tão redonda assim. (Queria muito decorar os
nomes e os rostos, assim como nossa neocolonização fez que decorássemos nomes
de atores estadunidenses e europeus, mas não vai acontecer.)
Para um professor, e alguém
realmente interessado no universo que envolve a educação, sobretudo pública, “Monster”
reúne diversos problemas frequentes nesta realidade: bullying, administração
engessada por uma burocracia vazia, que impede um debate franco e ágil,
profissionais da educação tendo que se equilibrar entre seus próprios dramas
pessoais e os que envolvem seus alunos e a escola, mães solteiras que se
esforçam para proteger os filhos e são levadas a erros de julgamento, jovens
descobrindo o mundo das paixões contrárias à hegemonia e os recursos que acabam
determinando a própria re-existência. Não há como ficar indiferente.
De uma forma muito reducionista,
o filme me fez pensar em “O Segredo de Brokeback Mountain” como se fosse a
transposição do drama dos caubóis para o universo das crianças que têm seus
sentimentos amorosos - no caso, a realidade das crianças é muito mais densa do
que a dos caubóis, o que faz o filme japonês ser muito maior do que o
estadunidense de 2005 (mas, vale destacar que, em 2005, só o tema já era
revolucionário).
Quando o filme termina, estamos
incomodados com uma dezena de assuntos importantes que tentamos resolver no
filme e na vida, mas que, de fato, só nos resta tentar ser o menos injusto
possível. A constatação é bem clara: somos os monstros, principalmente por não
conseguir dimensionar a complexidade dos afetos que se desenrolam nas vidas
(ficcionais ou não). Para um professor, com a função de avaliar, aprovar e
reprovar inerente ao processo educativo, fica a sensação de que faltam recursos
para uma avaliação justa e, portanto, só resta a avaliação possível que,
particularmente falando, espero fazer sempre a mais generosa.
O filme começa (várias vezes) com
um prédio pegando fogo. Descobrimos que é um prédio de prostituição e, depois,
descobrimos que Eri, o menino mais doce do filme, criado por um pai alcoólatra
e abandonado pela mulher, foi o responsável pelo fogo. Quando Minato lhe pergunta
por que fizera aquilo. O inocente Eri responde: “O álcool faz mal às pessoas.”
Depois descobrimos que a vida faz mal às pessoas, sobretudo a essas duas
crianças que, para sobreviver, constroem um pequeno paraíso dentro de um vagão
abandonado nas imediações da cidade. (Também isso me fez pensar em Brokeback
Mountain.)
Ainda dava para escrever outra
resenha sobre o ser mãe solteira no Japão, sobre o pacto de silêncio que
envolve a diretora Fushimi, (Yūko Tanaka), que assim defende tanto a escola
quanto a si mesma (em uma cena, repetida algumas vezes, ela está de joelhas
limpando com uma espátula o chão da escola), e o coitado do professor, cujo
carinho e cuidado com os alunos não impedem que seja envolvido numa situação
total de injusta. Mas paro por aqui, acrescentando que o fim é belo e surpreendente.
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