31.8.24

Cartas à Educação: O Intercultural Brasil-China


O imenso ano de agosto termina e, mesmo assim, na enxurrada de notícias (fatos e factoides) que se atropelam, as 24 horas dos seus 365 dias não foram suficientes. O corpo continua imensamente pequeno sob a tempestade, Benjamim, e, na pressa por tirar o melhor das horas, o homem reabre o império da selva e transforma a vida num vale tudo. Cada homem na ilha de si mesmo já não coloca mensagens nas garrafas, que seguem vazias em tom de ameaça – cartas à procura de garrafas. Os recursos são finitos e, mesmo não sendo poucos, justificam a guerra de todos contra todos – mais uma vez.

Daí que, na reunião, um grito de desespero (felizmente, por enquanto, só um) seja pelo corte seco, rápido, sem compaixão, sem contextualização. (“Foi dada a escolha e o infeliz escolheu errado.”) É também um grito de quem sofre – ainda que em outra longitude. Está claro que a inserção da massa nas salas de aula desmontou a idealização – nunca realizada, sempre projetada no passado – do que era a educação “antigamente”. “Pro dia nascer feliz”¹, de João Jardim, é de 2005 e traz imagens do problema da educação dos anos 70 e do começo deste século.

Em meio à realidade, mil realidades, e, numa delas, os alunos retornam ao Brasil-China para falar de suas caminhadas pessoais e tentar incentivar outros meninos e meninas que estão sendo educados no Brasil do ódio gratuito e terceirizado. Ivan e Lucas me fazem feliz por existirem e contradizerem a raiva generalizada. Provam que vale a pena tentar de novo – nem há alternativa. Reiteram que sempre há, sempre houve, um descaso com educação, mas seu carinho com o colégio é o reconhecimento de que, apesar dos apesares, foi feita a melhor conta. Gabriel manda um vídeo da China. Magno tinha uma reunião na empresa e não pode estar presente. Ouvi-los é constatar que se tornaram realmente homens (no sentido que tanto apreciamos) e, tendo 25, 26 anos, para os tempos atuais, ainda são meninos.

(As alunas atuais perguntam pelas meninas que estudaram no Colégio e prometemos ir atrás delas. Embora as meninas sejam maioria, não podemos esquecer das desigualdades estruturais que regem o mundo adulto de homens e mulheres no mercado do trabalho e da vida.)

As histórias deles são as de muitos de nós: pobres, ou de famílias de classe média, o estudo foi a sua melhor chance. E eles tiraram seus passaportes e fizeram sua primeira viagem internacional para a China, onde descobriram que o mundo é muito maior do que os filmes do cinema e o noticiário (propaganda) nacional. E voltaram sabendo o que fazer: continuar estudando. Não era nem mais uma questão de conteúdo (matemática, história, língua portuguesa etc.), era, em meios às incertezas da idade (e da vida), o descobrimento de um caráter autônomo, sem deixar de ser generoso. (Ou, como ouvi do aluno Arthur, “hoje, eu sei que se eu pegar uma matéria para estudar, sou capaz de aprendê-la.”)

Não se trata é claro de selecionar algumas histórias e apagar outras – o tempo não nos permite mais essa ingenuidade. Muito pelo contrário, se trata de, antes de tudo, reconhecer que vencer é muito mais do que fazer uma faculdade (há tantos mestres e doutores infelizes, profissionais que sabotam a própria profissão). Nada disso! A vida seria muito menor se se desse em receitas, em 10 estratégias para ser um vencedor. Vencer é ter se apaixonado pelo caminho, sentir-se capaz de fazer projetos e de trabalhar para realizá-los – nem importando muito se eles se realizarão. Nesse sentido, dos 72 alunos que começaram a história do Colégio Estadual Matemático Joaquim Gomes de Sousa, o Intercultural Brasil-China, em 2015, apesar do desmonte do projeto, apesar da falta de ar-condicionado, apesar das principais salas de aula interditadas, apesar dos apesares, os que concluíram o ensino médio puderam escolher o seu caminho e gostar dele. E caminharam.

E isso faz a educação sair da idealização do passado que nunca existiu e ler as possibilidades que realmente existem. E isso faz que, como a árvore vai no passarinho, o educador vá com cada aluno com quem aprendeu e a quem ensinou este ato revolucionário de educar – sempre mútuo, sempre generoso, sempre um ato de amor.









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