12.9.24

Notícias da terra nova: Sílvio Santos morreu, Delfim Neto morreu e o mundo não parece lá muito melhor...



Sílvio Santos morreu, Delfim Neto morreu e o mundo não parece lá muito melhor. 

Andar pelas ruas e dedicar-se a observar as pessoas e a cidade pode ser uma experiência assustadora e acabar nos deixando com uma pergunta incômoda: onde foi que eu me perdi? 

Já na esquina, um grupo de seguidores “louros” e velhos do ex-presidente empunha faixas contra a ditadura e contra o comunismo. (A cena do candidato a prefeito do Rio de Janeiro, Ricardo Amorim, o mesmo da foto quebrando a placa da Marielle, chutando o rosto do candidato Leonel Querino, do PT, o Leonel de Esquerda, continua em minha mente e, para Ricardo Amorim, amigo do presidiário Daniel Silveira, continua tudo bem.) Como são poucos, percebo-os um tanto intimidados.

Entendo, por fim, o professor Vladimir Safatle: nestes tempos, “a direita é revolucionária; a esquerda, conservadora”. O medo de perder passou para os representantes do proletariado (não o proletariado em si), enquanto a direita impávida topa dobrar a aposta. A sensatez imobilizante faz que o atrevimento de fazer/falar o impensável seja compreendido e tolerado por todas as partes envolvidas. (Estaremos em tempos de pré-guerra? O professor Paulo Arantes lembrou que o golpe de 1964 tinha suas raízes no golpe fracassado de 1954.) 

Vamos para a confraternização dos amigos do colégio. Passando por Niterói, descubro que a cidade tem engarrafamento aos sábados, domingos e feriados, dia e noite. Nos dias úteis (?), a cidade é um grande estacionamento para que os endinheirados (Niterói, orgulhosamente, tem muitos) desfilem parados seu sucesso. Por outro lado, descubro também as ruas lotadas de “bandeiristas”, pessoas que ganham para ficar balançando as bandeiras de candidatos aos cargos da próxima eleição. (E está tudo tão interligado que é impressionante como não percebem.) Entre as bandeiristas, senhoras pretas pedindo votos para candidatos que jamais lhes apertariam a mão com respeito e sinceridade, senhoras mães de meninos que jamais entrariam nas casas desses candidatos e, em muitos casos, são alvos da política de segurança promovida por eles¹. (Na sala de aula, um aluno comentava esperançoso que, na eleição de 2026, terá 17 anos e poderá trabalhar. Diz com a esperteza “que só tem quem tá cansado de apanhar”: são R$250 por semana.) E está tudo tão interligado que é impressionante como não percebem.

Numa Maricá promissora, de ruas asfaltadas e casas bonitas, após um debate sobre os jogos, e os valores dos jogos, dos novos homens meninos ricos, paro abismado para observar a placa de uma igreja cristã: uma Assembléia (ainda com acento) de Deus, Ministério Israelense, que tem uma bandeira do Brasil e outra de Israel ladeando a denominação. Tudo faz cada vez menos sentido e, na distopia dos nossos dias quentes, parece que os cristãos brasileiros conseguiram uma interpretação da bíblia em que os judeus, que não têm Jesus como Messias, nem uma ideia de que bom comportamento significa salvação, entre outros parangolés (o aborto é legalizado em Israel), veem o mundo (e o mundo porvir) da mesma forma. (Rio, mas de nervoso.)

Ao voltar para casa, da Ponte Rio-Niterói, admiramos um Rio de Janeiro imerso numa nuvem eterna que, paradoxalmente, produz um espetacular pôr-do-sol e ficamos boquiabertos diante da beleza assustadora do caos. A poeira das queimadas Brasil afora entope os pulmões, mas o fim do mundo terá uma linda fotografia.

Enfim, é domingo e vamos a Quinta da Boa Vista para um evento dos povos originários. O Museu Nacional da Dinamarca devolveu o manto sagrado dos Tupinambás que, há mais de 350 anos, fora levado daqui. Em “A queda do céu”, Davi Kopenawa e Bruce Albert definem os homens brancos como “o povo da mercadoria”. No encontro na Quinta, tirando a indumentária por cima das roupas, não consigo entender bem quem somos e o que nos distingue – a não ser, claro, o extermínio em progresso levado a cabo pelo homem branco. 

Tonto, vamos andar um pouco – ainda preciso voltar para casa, pois tenho trabalho.

À frente, jovens velhos (?) praticam um jogo novo (para mim). São dois times que têm uma bola que deve ser jogada para atravessar um círculo que fica a um metro (ou dois) do chão. Teca me explica que trata-se do "quadribol", um jogo inventado por J. K. Rowling, na coleção Harry Potter. Harry Potter é um bruxo e o jogo, portanto, é um jogo de bruxos. Estou novamente boquiaberto: para simular a vassoura voadora, eles jogam com um pedaço de pau no meio das pernas.

Tá tudo muito ruim, mas calma. Ao passar na prateleira de livros das Lojas Americanas (da fraude de mais de R$50 bilhões), os títulos do livros profeciam que, agora, falta pouco (quase já não dá para respirar).


Então, agora, só respira devagar.

***

¹ Em "A construção do idiota: o processo de idiossubjetivação", de Rubens Casara, isso está palavras melhores:

Paradoxalmente, ao lado da sensação de ausência de perspectivas, nasce o que Vera Malaguti Batista chamou de "adesão subjetiva à barbárie", o que só é possível através das técnicas de idiossubjetivação que levam à dissonância cognitiva. Articulam-se, então, as políticas econômicas e o controle dos indesejáveis com o apoio popular das próprias vítimas em potencial (o devir indesejável) das ações repressivas e destrutivas do Estado e do mercado. Ao mesmo tempo, ao associar a filosofia disciplinas do beharviorismo com o moralismo mais rasteiro e o incentivo à ignorância, busca-se produzir apenas condutas adequadas aos interesses dos detentores do poder econômico. (2024, p. 247)

 Na internet, descubro que existe a Associação Brasileira de Quadribol e, em 2021, São Paulo lutava para sediar o Pan-Americano¹.

¹https://www.uol.com.br/esporte/ultimas-noticias/2021/11/28/sao-paulo-pan-americano-quadribol-harry-potter.htm

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