6.8.24

Notícias da Terra Nova: Olimpíadas e o que me move é esta foto


As Olimpíadas não eram um tema para mim até as Olimpíadas começarem. O mundo ia (?) mal, com trocentas guerras (duas entre brancos), uma onda de ódio sendo alimentada via redes sociais (com o beneplácito dos multibilionários donos das redes sociais) (leia “A máquina do caos”, de Max Fisher) e uma direita idiotizada, que captura a atenção da população brasileira, num patético truque de ilusionismo, trabalha para impedir o debate dos assuntos que realmente importam e envolvem a todos. Mas começaram as Olimpíadas (como, em 2014, a Copa do Mundo do Brasil disfarçou o Saturno que cresceria e devoraria milhares dos seus filhos), e imediatamente me tornei um especialista em Breaking (sim, está na lista dos esportes olímpicos), Luta Greco-Romana (já ouviu falar do cubano Mijaín López?) e os cinco tipos de ciclismo. Sim, a única forma de escapar é tampando os ouvidos ou se amarrando ao mastro do navio. Mas calma! Ceder a esta tentação não é tão ruim assim – e já aprendemos com Wilde, né?: “A única maneira de libertar-se de uma tentação é entregar-se a ela”.

Então, o espírito olímpico faz o seu trabalho de prestidigitação e quase esqueço que o governo anterior acabou com o Ministério dos Esportes e sucateou qualquer investimento nesta área e na cultura – e quase esqueço que, no xadrez da governança neoliberal (que não é um esporte olímpico), o governo de esquerda (?) trocou Ana Moser por Fufuca no comando do redivivo ministério. Então, o espírito olímpico toma o corpo de uma menina (a televisão faz questão de destacar que é uma mulher, mas, com mais de 50 anos, qualquer mulher com a idade dos meus filhos será uma menina). O espírito olímpico se materializa na força e na beleza de Rebeca Andrade, atleta do Flamengo, e já vencedora nos Jogos Olímpicos do Japão. (Sim, o Flamengo tem uma das melhores estruturas esportivas do país – e eu quase esqueço os meninos do Ninho do Urubu. Sim, ela pôde se preparar, mas essa deveria ser a regra e, só a partir daí, poderíamos começar a falar de algo como mérito.) Ela simplesmente usou seu talento para chegar ao lugar mais alto do pódio, competindo com países que, aí sim, levam a sério a formação esportiva de seus atletas.

(Mas não sejamos tão injustos: nossas recentes conquistas vêm de uma mínima mudança de postura em relação aos esportes: a partir de 2004¹, os governos de Lula e Dilma fizeram uma série de medidas que oferecem bolsas-atleta e também bolsas para atletas de alto rendimento. Não é nada, não é nada, o aumento do número de medalhas responde.)

Tudo isso não vem ao centro do que me levou a, além de abandonar a minha indiferença, escrever sobre essa tradicional metáfora para as nações mostrarem a sua superioridade umas às outras. O que me move é esta foto, o que me move é o quanto ela me sensibiliza. De repente, me dou conta que as duas medalhistas ao lado são, apenas, “a ginasta mais condecorada da história”² e, do outro lado, a estadunidense Jordan Chiles, de 23 anos, e medalha de ouro no Campeonato Mundial de 2022. Ou seja, a reverência é feita por companheiras de altíssimo desempenho no esporte e denota, além do devido merecimento, uma generosidade só possível aos espíritos mais desenvolvidos, uma cumplicidade que suplanta a rivalidade, inerente a qualquer esporte, para constituir-se numa irmandade que é muito superior à lógica da competição do vale-tudo (e do inimigo), tão à mão nestes tempos.

O que me move é que, de repente, vi três mulheres que, entendendo a dimensão da competição esportiva, não se constrangeram ao reverenciar a outra. Eram três mulheres negras - e, de repente, reparei como a maioria das nossas medalhistas é constituída por mulheres; e Rebeca Andrade e a judoca Bia Souza são as únicas medalhas de ouro (até o momento) (e lembrei da jovem Rayssa Leal, e da também ginasta Daiane dos Santos). Eram três mulheres negras que, se não sabem, intuem a história de superação uma da outra. Eram três mulheres negras.

O que me move é que, de repente, o espírito olímpico era essas três mulheres negras. (E pensei nas minhas alunas.)

***

¹ Criado pela Lei nº 10.891, de 9 de julho de 2004, (Decreto nº 5.342, de 14 de janeiro de 2005), o Bolsa-Atleta é o maior programa de patrocínio individual de esportistas do planeta.

² https://olympics.com/pt/atletas/simone-biles

 


 

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