Em maio deste ano, estive na Livraria da Vinci, a resistência, para pegar meu exemplar autografado de “A construção do idiota: o processo de idiossubjetivação”, do juiz de direito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o professor Rubens Casara, de quem já li “Contra a Miséria Neoliberal” (2021) e “Estado pós-democrático: Neo-obscurantismo e gestão dos indesejáveis: Neo-Obscurantismo e gestão dos indesejáveis” (2017) – sobre este, com o professor João Cezar de Castro Rocha, tivemos uma conversa¹ para pensar o (des)caminho que nos levou ao “neo-obscurantismo” que custou, por baixo, 700 mil mortes por Covid (e tão alto é o silêncio que parece que não perdemos ninguém).
As marcações da leitura deste novo livro renderam dez páginas de termos, ideias, conceitos e imagens (afinal, é disso que se trata) que ajudam a compreender como a estupidez foi novamente entronizada e os absurdos foram sublimados por uma população que, muitíssimas vezes, é o alvo preferencial da estupidez, vertida em ódio que nega vacinas, e dos absurdos, que invadem as casas de pobres e matam filhos de pobres nessa eterna “gestão dos indesejáveis”. Para começar a resenha, poderia seguir por análises como “idiota, a pessoa com a subjetividade empobrecida”, como “emocracia”, ou seja, uma sociedade regida por emoções que exigem reação imediata e, quase sempre, reativa – sem dar tempo à reflexão da qual nossos mais antigos se orgulharam num passado recente, entre tantos outros tópicos que chegarão ao seu tempo.
Entretanto, antes de ir ao texto do autor, gostaria de dedicar algumas linhas a este outro texto simples e genial (e talvez por isso mesmo) que é a belíssima (e sugestiva) capa do livro, produzida por Maikon Nery (@maikonneryestudio). Nada mais sintético para dizer do livro do que a imagem de um pião de cabeça para baixo, que me trouxe à mente o “Patas arriba”, de Eduardo Galeano, e me colocou para pensar nesse pião que, invertido, se sente rei; no mínimo, nobre, e, por se sentir assim, tão facilmente odeia outros piões, de cabeça para baixo, ou não, tão barato os vende na praça do mercado da vida. É o pião da classe média do livro “A classe média no espelho: Sua história, seus sonhos e ilusões, sua realidade”, de Jessé Souza.
Esse pião que enche as praças para protestar contra si – e pedir de volta a ditadura – é o mesmo que, idiotizado, cantou o hino nacional para pneu, se agarrou ao para-brisa de um caminhão, destruiu as sedes dos poderes em Brasília e se voluntariou para participar do torneio de vídeos ridículos que semearam a distração nacional dos problemas reais para passear de moto com o Minto, a la Mussolini – com combustível pago com cartão corporativo. O mesmo pião que permanece alimentando ódios contra minorias e conduzindo novas excrescências ao picadeiro do poder. O livro de Casara é para nos arregimentarmos para trazer este pião, na medida das nossas possibilidades, à sanidade mental, posto que a destruição é grande, mas ainda não foi total.
Pois 2026 (e 30...) está logo aí e, como vimos, eles só precisam de uma chance.
Outro ponto que merece destaque, antes de entrarmos no texto de Casara, é a bibliografia que vale, por si só, uma graduação (atenção que escrevi uma graduação). O problema de uma bela bibliografia é que a vida se revela absurdamente curta.
Mas, já sabendo que não dará tempo, podemos
aproveitar o tempo melhor. Assim, das mais de 200 referências, cito algumas,
não por serem as mais importantes, mas porque, agora, enquanto revejo-as, são
as que estão mais presentes na minha história de leitor.
1) O grupo e o mal, de Contardo Calligaris.
2) A nova segregação racial: racismo e encarceramento de massa, de Michelle Alexander
3) A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal, de Pierre Dardot e Christian Laval.
4) A arte de reduzir as cabeças: sobre a nova servidão na sociedade ultraliberal, de Dany-Robert Dufour
5) O divino mercado: a revolução cultural liberal, de Dany-Robert Dufour
6) A linguagem do Terceiro Reich, de Victor Klemperer.
7) Capital e ideologia, de Thomas Piketty.
Ainda ficaram de fora Sartre, Adorno, Horkheimer, Gramsci, entre outros. (Senti falta também do Paulo Freire que não está nas referências, mas está nas ideias do livro – sobretudo quando fala da educação.)
***
Termino estes primeiramentes aqui. No próximo texto, seguimos com a apresentação de Marcelo Semer e as primeiras ideias que ainda estão comigo agora:
1) a inversão de sinais: o que era positivo passa a ser negativo e vice-versa;
2) o direcionamento para a estupidificação do pião.
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