No fim do túnel, a metáfora se desfaz, assim como, há alguns anos, “um mar de lama” materializou-se na destruição de Brumadinho e Mariana. Então, quando o pastor e o deputado gritam que o Brasil vai pegar fogo, os loucos idiotizados, espalhados pelo país, atendem ao chamado e produzem a maior ação coordenada de incêndios criminosos da nossa história. Estão na superfície da linguagem, incapazes de uma compreensão mais profunda da vida, incapazes de escapar do chamado ao suicídio coletivo. E os líderes, encantados com a própria voz, com o próprio canto de morte, conduzem o rebanho para a salvação que virá depois do fim de tudo. E os líderes dos líderes imaginam uma odisseia no espaço, como num desses filmes estadunidenses desmiolados, em que constroem uma base lunar e deixam sobreviver os pobres necessários para manter a casa limpa. Em breve, a água valerá mais que ouro – e isto não é metáfora.
Os sinais sempre estiveram aí e, portanto, nós sempre soubemos que a Palestina desapareceria do mapa. Há pelo menos 50 anos, todos sabemos que Israel, dia a dia, dava sinais de que dizimaria a população palestina. Assim também sabemos que a floresta Amazônica desaparecerá, dia a dia, transformada em moeda, em madeira, em seca, em fome, em morte. Sabemos disso há 500 anos, mas há 500 anos mudamos de assunto, ou fingimos que a Amazônia é infinita. E quem insistiu em falar disso foi morto.
E os sinais? E os sinais claros de que o candidato é marginal? De que já roubou velhos? Já foi pego mentindo, e mentindo, e mentindo? Os sinais de que o garoto é mais burro do que uma porta? Os sinais são metáforas e o povo não entende metáforas nem quando viram corpos do povo enterrados em valas comuns e aos milhares – e o presidente debocha. Não entende nem quando o político prefere comprar imóveis em dinheiro vivo e em valores muito abaixo do mercado. O povo insiste em não entender – quase num esforço religioso, quase como num pacto, ou numa espécie de amor doentio. E aplaude a riqueza do madeireiro, e elege o grileiro milionário, e segue o falso profeta próspero – o profeta de um profeta pobre. E os sinais? Os sinais do amanhã terrível (quem sabe?) não são suficientes para evitar o desfrute concreto da “fortuna” do hoje, dessa promessa tão palpável de ser um vencedor agora.
Quanto mais estúpido melhor! Não adianta o candidato assumir que o povo quer estupidez, idiotice. Não adianta porque, nesse mundo “patas arriba”, nessa fábrica de idiotização industrial, os sinais não dizem nada e a realidade é também um sinal. (Não há mais fatos, lembra? Só fatos alternativos.) Estamos em busca do diálogo impossível com quem, adestrado, repete os medos ensinados através de clichês centenários, frases feitas que nada dizem, como um boneco de ventríloquo engasgado e satisfeito com a própria estupidez. Não é mais uma questão de reconhecer a própria ignorância. É lutar para mantê-la como se reluzisse como diamante. É isso: nesse mundo de sinais trocados, a ignorância vai, envaidecida, passear na praça e explicar o funcionamento do mundo às avessas às aves da fazenda de Orwell – que comemoram a anti-inteligência e vão catar as migalhas nas festas de cidades miseráveis que pagam cachês milionários a cantores da ignorância.
Como caminhamos tão depressa para o precipício se, há alguns anos, jurávamos que era o analfabetismo que nos impedia de ser uma nação? Como foi que mais 20 universidades públicas, 500 institutos federais e tantos Brasil-China, Brasil-França não serviram para oferecer uma população mais generosa consigo mesma? Como foi que os herdeiros dos latifundiários escravocratas conquistaram a mente dos filhos dos pobres que conseguiram acessar uma boa formação pública? (Você sabe. “Quando a educação não é libertadora...”) Como, apesar de Paulo Freire, escolhemos as paredes e suas cópias – que mal conseguem falar uma palavra com mais de quatro sílabas? Mais: como professores de escolas públicas apoiam discursos de ataques às escolas públicas e votam em candidatos com notório desprezo pela formação dos filhos dos trabalhadores?
Tudo é fúria. (Mas respiremos...)
***
Em meio à tempestade, eu me lembro. Em 2021, estava numa live com o padre Júlio Lancellotti e o professor João Cezar¹. Eu era um velho que ainda não tinha entendido e perguntei ao representante de Cristo quando nós venceríamos a guerra. E ele respondeu algo assim:
_A gente não vence, Máximo. A gente não vence nunca. Pois, se houver a possibilidade da gente vencer, eles mudam as leis, eles tiram a mulher. A gente não vence nunca, mas a gente só é do jeito que é porque não consegue ser como eles. A gente não vence nunca, mas a gente não gostaria de estar do lado deles e ganhar o que eles ganham e do que jeito que ganham. O nosso ganhar é ser fiéis a nós mesmos. Essa é a nossa vitória possível.
(Respiremos.)
Em 2024, agora, eu prometo continuar leal a nós mesmos, meu santo padre. E prometo tentar melhor amanhã.
Como escreveu o frei Beto: Vamos deixar o pessimismo para dias melhores.
(Respiremos.)
Vamos recomeçar.
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Live disponível em https://www.youtube.com/watch?v=0iyALN6CM_I
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