10.12.25

Diário de leitura: De onde eles vêm, de Jeferson Tenório.

 


O novo livro de Jeferson Tenório me fez lembrar de “O apanhador no campo do centeio”, de J. D. Salinger, que li há uns 20 anos porque queria saber o que o fazia tão sensacional. Não é um livro sensacional e, acho, só ficou famoso porque, primeiro, foi escrito por um estadunidense branco e, segundo, Mark Chapman, o assassino de John Lennon, levava um exemplar do “Apanhador...” dentro do bolso no momento dos disparos. Salinger criou (Proust? Goethe?) um gênero, o romance de formação, e conta a história de Holden Caulfield, um jovem branco, da classe média estadunidense (?), que está vivendo um mundo de angústias porque a vida não parece muito interessada em colocá-lo logo no lugar de destaque que ele (e muitos em algum momento da vida) acredita merecer. Tudo bem, é possível pensar que uma falta de razão última para a vida também sirva para essa angústia. Nessa linha, lembro também de “Mala onda”, do chileno Alberto Fuguet, que, trocando o estadunidense Caulfield pelo jovem chileno Matías Vicuña, conta a mesma coisa. E ambos os romances me cansaram da mesma forma.

Tenório faz algo parecido, mas, aqui, claro, temos um gênero dentro do gênero: trata-se de um jovem (25 anos?) brasileiro negro, pobre, que, tendo conseguido entrar para a faculdade através das cotas raciais que, criadas no Brasil no início do século, permitiram que alunos pobres, oriundos das escolas públicas (em tese, mais fracas), entrassem nas universidades públicas (as melhores do país). Presa a esse tempo, a narrativa nos possibilita também acompanhar como essa lei, fundamental, começou sem considerar que muitos dos jovens pobres precisavam de alguma renda para passar dois, três anos dedicados a estudar, até surgir o primeiro estágio, a primeira bolsa.

O romance de Tenório é muito melhor do que seus antecessores gringos, sobretudo porque, além de trazer-nos a perspectiva de um jovem negro brasileiro, mostra como, apesar das origens extremamente desiguais, Joaquim, o protagonista de “De onde eles vêm”, termina por se perder – e colocar-se em risco –, como Caulfield e Vicuña. É possível pensar numa angústia comum à certa idade, que quer encontrar soluções rápidas para problemas que, no caso de Joaquim, vêm de muitas gerações, a começar por ter que dividir suas horas de vida com os cuidados com sua avó doente e, ainda, viver da aposentadoria que ela recebia. “Quanto mais eu cuidava de minha avó, mais aprendia sobre a solidão” (19). Por aí, o capítulo que a avó cai no banheiro e Joaquim e a namorada se esforçam para socorrê-la tem a brutalidade seca, de frases curtas, que esteve presente em “O avesso da pele”.

À diferença com os meninos brancos (homens? Se você for branco, você é menino até qual idade?), Joaquim precisa lidar com todas as misérias dos seus anteriores: pai, mãe, avó, tia. Nesse sentido, é sintomático que, quando, por problemas de dinheiro, Joaquim se oferece para trabalhar com a tia nas faxinas, ela responda: “Não precisa, meu filho. Eu ainda dou conta. Eu não ajudei a te criar para você limpar as casas dos brancos. Você tem que voltar para a faculdade, fazer o que tem para fazer.” (193) A esperança do curso superior como meio de alguma outra libertação: da miséria.

O romance é também um debate sobre o que é literatura já que Joaquim, tendo pretensões de se tornar escritor, entrou para o curso de Letras e tem os livros como canais de contato com o mundo, inclusive para fazer amigos. Como acontece com Sinval, dono de um sebo, que avalia a ideia de um conto que Joaquim pretendia escrever, aconselhando-o a abandonar a ideia:

Porque você não está interessado em contar uma história. Está interessado em fazer uma denúncia. Se for isso, vá lá e escreve um artigo e publique num blog qualquer por aí. E outra, você precisa de grana, não gasta seu tempo em concursos que não dão prêmios em dinheiro. Esse tipo de concurso serve para os brancos que moram no Moinhos de Vento, não para você. (24)

A grana que falta impede o escritor, impede o aluno e transforma o personagem em atendente de telemarketing e, depois, frentista. Fim.

De modo que “De onde eles vêm” nada tem a ver com a tradição começada por Salinger. Ou, talvez, o livro de Tenório comece uma nova tradição, que inclui novas vozes para esse coro de jovens que, negros, precisando também encontrar respostas e soluções para suas histórias, herdeiros da falta de oportunidade, ficam pelo caminho, sem direito a inventar novas histórias e, assim, permitir outros enredos e outros finais.


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