O novo livro de Jeferson Tenório
me fez lembrar de “O apanhador no campo do centeio”, de J. D. Salinger, que li
há uns 20 anos porque queria saber o que o fazia tão sensacional. Não é um livro
sensacional e, acho, só ficou famoso porque, primeiro, foi escrito por um
estadunidense branco e, segundo, Mark Chapman, o assassino de John Lennon, levava
um exemplar do “Apanhador...” dentro do bolso no momento dos disparos. Salinger
criou (Proust? Goethe?) um gênero, o romance de formação, e conta a história de
Holden Caulfield, um jovem branco, da classe média estadunidense (?), que está vivendo
um mundo de angústias porque a vida não parece muito interessada em colocá-lo
logo no lugar de destaque que ele (e muitos em algum momento da vida) acredita
merecer. Tudo bem, é possível pensar que uma falta de razão última para a vida
também sirva para essa angústia. Nessa linha, lembro também de “Mala onda”, do
chileno Alberto Fuguet, que, trocando o estadunidense Caulfield pelo jovem
chileno Matías Vicuña, conta a mesma coisa. E ambos os romances me cansaram da
mesma forma.
Tenório faz algo parecido, mas,
aqui, claro, temos um gênero dentro do gênero: trata-se de um jovem (25 anos?) brasileiro
negro, pobre, que, tendo conseguido entrar para a faculdade através das cotas
raciais que, criadas no Brasil no início do século, permitiram que alunos pobres,
oriundos das escolas públicas (em tese, mais fracas), entrassem nas
universidades públicas (as melhores do país). Presa a esse tempo, a narrativa nos
possibilita também acompanhar como essa lei, fundamental, começou sem considerar que
muitos dos jovens pobres precisavam de alguma renda para passar dois, três anos
dedicados a estudar, até surgir o primeiro estágio, a primeira bolsa.
O romance de Tenório é muito melhor
do que seus antecessores gringos, sobretudo porque, além de trazer-nos a perspectiva de
um jovem negro brasileiro, mostra como, apesar das origens extremamente
desiguais, Joaquim, o protagonista de “De onde eles vêm”, termina por se perder
– e colocar-se em risco –, como Caulfield e Vicuña. É possível pensar numa
angústia comum à certa idade, que quer encontrar soluções rápidas para
problemas que, no caso de Joaquim, vêm de muitas gerações, a começar por ter
que dividir suas horas de vida com os cuidados com sua avó doente e, ainda,
viver da aposentadoria que ela recebia. “Quanto mais eu cuidava de minha avó,
mais aprendia sobre a solidão” (19). Por aí, o capítulo que a avó cai no
banheiro e Joaquim e a namorada se esforçam para socorrê-la tem a brutalidade
seca, de frases curtas, que esteve presente em “O avesso da pele”.
À diferença com os meninos brancos
(homens? Se você for branco, você é menino até qual idade?), Joaquim precisa
lidar com todas as misérias dos seus anteriores: pai, mãe, avó, tia. Nesse sentido,
é sintomático que, quando, por problemas de dinheiro, Joaquim se oferece para
trabalhar com a tia nas faxinas, ela responda: “Não precisa, meu filho. Eu ainda
dou conta. Eu não ajudei a te criar para você limpar as casas dos brancos. Você
tem que voltar para a faculdade, fazer o que tem para fazer.” (193) A esperança
do curso superior como meio de alguma outra libertação: da miséria.
O romance é também um debate
sobre o que é literatura já que Joaquim, tendo pretensões de se tornar
escritor, entrou para o curso de Letras e tem os livros como canais de contato
com o mundo, inclusive para fazer amigos. Como acontece com Sinval, dono de um
sebo, que avalia a ideia de um conto que Joaquim pretendia escrever, aconselhando-o a abandonar a ideia:
Porque você
não está interessado em contar uma história. Está interessado em fazer uma denúncia.
Se for isso, vá lá e escreve um artigo e publique num blog qualquer por aí. E outra,
você precisa de grana, não gasta seu tempo em concursos que não dão prêmios em
dinheiro. Esse tipo de concurso serve para os brancos que moram no Moinhos de Vento,
não para você. (24)
A grana que falta impede o
escritor, impede o aluno e transforma o personagem em atendente de
telemarketing e, depois, frentista. Fim.
De modo que “De onde eles vêm”
nada tem a ver com a tradição começada por Salinger. Ou, talvez, o livro de
Tenório comece uma nova tradição, que inclui novas vozes para esse coro de
jovens que, negros, precisando também encontrar respostas e soluções para suas
histórias, herdeiros da falta de oportunidade, ficam pelo caminho, sem direito
a inventar novas histórias e, assim, permitir outros enredos e outros finais.

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