Volto a um Bar Feio que me fez sorrir e encontro o anjo debochado e torto que me tocou como guarda. Estamos todos mudados, eu, o Bar Feio, seus garçons e seus clientes - ele, entretanto, não repara nessas bobagens. Jaci foi assassinado, minha mãe foi embora, seu Narciso também, “e eu já não me sinto lá grande coisa”. Perdi em alguma esquina do tempo as paixões que traziam as poesias novas. (Eram fracas, mas cativaram um carinho.) Hoje, a leveza da palavra é insustentável; sua vaidade, insuportável. Me tornei um poeta faminto que reconhece borboletas, mas escuta a explosão dos tiros e das bombas. E não me dei à covardia. "O tempo é ainda de maus poemas."
O anjo debochado me olha com tédio – são muitos anos apagando novidades, de modo que o novo, o que nos interessa,
sempre esteve aqui, e a antieducação é fazê-lo visível. Olhando para a
televisão, me oferece um copo – “não deixe seu cigarro se apagar pela tristeza”.
“Aproveita. O sol já se pôs.” –
enfim, sorrio.
“Aprendeste algo?”
Que a literatura me salvou. Que ela
simplesmente não poderá ir embora. Que tenho saudades. Que também fiquei eterno. Que este brinde
importa.
“Então, façamos outro. O sol já se
pôs.”
“Gostou de algo?”
De encontrar os amigos, de rever
a família de meu pai e arder de febre em Brasília. De fotografar o Pacífico
pela terceira vez. Da esperança nos meus alunos. Da saudade.
“Então, façamos um brinde.”
Começa a chover na região da
rodoviária de Niterói. Olho a chuva com olhos gastos e vejo que suja os pés das meninas na vitrine sem vidro,
na loja sem loja. Ouço a chuva ecoando no som dos carros.
Fingindo interesse na televisão,
ele pede para que eu preste atenção na chuva.
De fato, o brilho do sol das três
da tarde empresta um vagalume a cada gotinha que cai e constrói uma melodia na partitura dos segundos. (Haverá um músico?)
Ainda sem me olhar, sinto que
sorri.

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