3.11.25

Diário de leitura: “Como nasce um miliciano”, de Cecília Olliveira.

 Ou “a polícia é um meio de se chegar aonde se quer na política”.


Cecília Olliveira tem representado, junto a outras corajosas jornalistas, uma voz dissonante dentro de uma regra de cúmplices, ou relativistas sofisticados pelo jargão acadêmico rasteiro, que domina as mídias inclusive na sua versão internética - alternativa ou dominante. Seu currículo passa pela criação do Instituto Fogo Cruzado e pela coordenação “da equipe de comunicação da Redes da Maré, editorando o jornal Maré de Notícias"¹. A operação de "estranha inteligência" do setor de segurança do governador Cláudio Claustro me fez reler uma passagem de seu livro e concluir essa resenha tão atrasada:

No dia em que estava escrevendo sobre as consequências da impunidade de maus policiais e a insistência em um modelo ultrapassado e fracassado de segurança pública, houve uma operação policial no complexo do Alemão e da Penha que durou quinze horas - foi a terceira megaoperação, com centenas de policiais, em menos de dez dias. Em 24 de janeiro de 2025. Embora não haja imagens, a PM disse que apreendeu uma tonelada de drogas. O tiroteio intenso deixou seis mortos e oito feridos. Dentre essas quatorze pessoas, um policial é dois idosos foram mortos. Um rapaz estava a caminho do trabalho, um no quintal, outro dentro de casa, e um jardineiro foi morto enquanto tomava café, perto de uma estação de ônibus. (p. 181).

O livro traz a overdose de realidade que as intervenções de Cecília costumam oferecer e, terminada a leitura, vendo a vitória política do insignificante Claudio Claustro, não há por que acreditarmos numa saída. Eles não repetem a ideia da guerra por inocência, mas para abrir no imaginário coletivo a autorização para aumentar a barbárie. Na verdade, tudo indica o contrário: o sucesso do modelo miliciano exportou-se, e junto com as igrejas evangélicas, vão dominar o país. (Celso Rocha de Barros, no Episódio do Foro de Teresina, podcast da Piauí, disse que, uma vez terminado o massacre da semana passada, o Estado retirou-se e as igrejas locais armaram barracas para acolher os parentes das vítimas.) Em resumo, “a polícia é um meio de se chegar aonde se quer na política” e, a natimorta candidatura de Claudio Claustro, o gasoso, ao senado voltou para o CTI.

Creio que para os especialistas de segurança público, o livro pode não trazer grandes novidades, mas, para a população-alvo que perambula pelo Rio, é/seria uma leitura fundamental para entender os meandros que definem sua vida ou morte. No livro, os nomes de envolvidos com crime (de colarinho branco, ou no alto escalão do organizado) se repetem numa repetição que levam ao cansaço que o cidadão comum apresenta ao dizer que não adianta prender os trombadinhas que “vai lá um juizinho e o coloca na rua em 15 minutos”.

Por exemplo, na situação atual: Victor Santos², o novo secretário de Segurança do RJ, foi indicado por Flávio Bolsonaro e estava de 2021 até fevereiro de 2023 como Superintendente da Polícia Federal de Brasília. Foi a polícia federal de Victor Santos que não “conseguiu” prender³ ninguém na destruição generalizada que se deu em dezembro de 2022, na capital do país e sugeriu que os terroristas do 8 de janeiro fossem presos em suas casas. Como prêmio por seus serviços prestados, assumiu a Secretaria nova de Claudio Claustro.

No livro:

O recado das mortes dos doze de Itaguaí

Em se tratando de políticas de segurança pública, mudança não é algo que acontece com frequência. São anos e anos apostando nas mesmas medidas, esperando resultados diferentes*. Muita operação policial, muito tiro, pouca investigação, pouca fiscalização, pouca punição para desvio de condutas que fazem do Rio um estado conhecido mundialmente por seu Elite Squad (Tropa de elite), o filme.

Apesar de a operação contra a milícia de Itaguaí ter sido organizada e executada por forças civis, em vez de militares, como no filme, as técnicas não diferem muito. A Core é também uma força de elite.

Falando da operação que matou 12 milicianos em Itaguaí, ela cita José Cláudio Souza Alves, professor da Universidade Rural, autor do livro “Dos Barões ao Extermínio: uma história de violência na Baixada Fluminense”:

Ele frisa que a operação ocorreu um mês antes das eleições, funcionando como um palanque para a promoção política das autoridades envolvidas. O então secretário de Polícia Civil Allan Turnowski e o governador Cláudio Castro eram candidatos. (p. 178)

E aqui vale rememorarmos um fato nada desprezível. Cerca de dois anos após a posse como secretário de Polícia Civil, em setembro de 2022, Turnowski foi preso sob suspeita  de envolvimento com o jogo do bicho. As investigações do Ministério Público, que levaram também  à prisão do delegado Maurício Demétrio, mostraram que os dois policiais planejavam forjar um flagrante de corrupção contra o prefeito do Rio, Eduardo Paes, que tentava a reeleição. A ideai era armar um flagrante e prender o prefeito. Eles foram presos, e Paes reeleito. Allan Turnowski foi solto logo depois e pode voltar à vida pública a qualquer momento. (p. 179)

 

A história se repete e, tristemente, não há nenhum sinal que nos indique que algo mudou, a não ser no que se refere ao número de vítimas, escalando.

Essa resenha já vai grande, em tempos de muita oferta e pouco tempo, de modo que voltarei a ela para ajudar a apresentar como Cecília Olliveira mostra o modo que nasce um miliciano, embora a maioria de nós seja capaz de adivinhar.

***

¹ Cecília Olliveira https://share.google/gDUWOxpcA00lbRHwY

² Quem é Victor Santos, o novo secretário de Segurança do RJ

³Vandalismo em Brasília: por que ninguém foi preso em atos de bolsonaristas? - BBC News Brasil



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