29.10.25

Corpos de pobre marcam o início das campanhas eleitorais de 2026 no estado do Rio de Janeiro

 


Em 2018, o desconhecido juiz Wilson Witzel foi eleito governador do Estado do Rio de Janeiro. Aliado de Bolsonaro, Witzel ficou famoso por dar saltinhos de alegria na Ponte Rio-Niterói, quando a sua polícia matou um homem com transtornos mentais, que tinha sequestrado um ônibus, e ao afirmar que a sua polícia ia mirar “na cabecinha e... fogo”¹. Sobre o massacre do Carandiru, com 111 mortos, o próprio Bolsonaro, seu avalista, já afirmara: a polícia “matou foi pouco”. Claudio Castro, ontem, seguindo o projeto de seus mentores, superou o Carandiru e entrou para a história – com a diferença que, agora, seus mortos não estavam condenados.

Como qualquer morador do Rio sabe, Witzel caiu em desgraça com o clã Bolsonaro e foi retirado do cargo. Ele substituíra Pezão, vice de Sérgio Cabral, e trouxera como vice o atual governador do Rio, que, em 2022, foi eleito no 1º turno com mais de 58% dos votos – contra pouco menos de 28% de Marcelo Freixo. A população do Rio de Janeiro não teve dúvidas: entre o professor de história e o vice de Witzel, escolheu com folga a Claudio Castro, igualmente aliado de Bolsonaro.

Sem nada para oferecer como governo, na campanha, seguindo a filosofia do “tiro na cabecinha”, ou a do “bandido bom é bandido morto”, Claudio Castro apostou na necropolítica:  27 mortos no Jacarezinho, em 2021, 23 mortos no Complexo da Penha e 16 no Completo do Alemão, em 2022. Contra o deputado estadual que presidiu a CPI das Milícias e colocou alguns de seus chefes na cadeia? Não tinha como perder.

Agora, às vésperas da campanha de 2026, ainda sem nada para apresentar, inclusive na segurança pública, e sonhando com uma das duas vagas para senador, o governador e sua trupe apostaram nas mesmas cartas: matar pobre e preto, ou branco pobre, que é quase preto. Contam com a vantagem que os pobres e pretos, ou brancos pobres, que são quase pretos, não contam, não têm nomes, nem história. Como o Estado não é obrigado a apresentar seus nomes e se tinham passagens pela polícia, serão todos agrupados e apagados sobre o rótulo de criminosos do Comando Vermelho.

Não importa se todas as operações da polícia que resultaram em grande apreensão de drogas, ou armamento, nunca tiveram como alvo as comunidades pobres do Rio. Não importa se todas as evidências confirmam que o melhor é investir em inteligência e seguir o dinheiro – numa sociedade em que os políticos preferidos do Rio têm por costume comprar imóveis em dinheiro vivo. Esses métodos não dão a fotografia dos corpos quase nus (por quê? Como foi isso?), degolados (por quê? Como foi isso?), com ferimentos que denunciam a execução pura e simples, lado a lado, que garantem o santinho de campanha no subconsciente de uma população que, estando na mira, acha que o alvo é o outro e escolhe o capitão-do-mato como representante político. Por isso, odeiam História, que vai ensinar que o capitão-do-mato é sempre amigo do sinhozinho.

Como se ninguém tivesse visto a reportagem sobre Tiego Raimundo de Oliveira Santos, vulgo TK Joias, condenado a 14 anos de prisão por ligação com o Comando Vermelho e solto por uma manobra legal, e ninguém soubesse que ele foi catapultado a deputado estadual no MDB, com a colaboração do governador, e fotografado com os principais nomes da segurança pública do Estado². Como se estas comunidades produzissem as drogas e os armamentos que os policiais agora fotografam como prova do sucesso da operação. Como se os chefes do tráfico vivessem mesmo nas comunidades abandonadas pelo poder público – que só se faz presente para impor a guerra. Como se nós não soubéssemos que a política irresponsável e o enfraquecimento das instituições de controle do governo Bolsonaro não estivessem na raiz dos frutos estranhos que a população foi buscar no mato para dar a dimensão real do horror desta jogada de marketing de Claudio Castro.

Já, já, desavergonhados dobrarão a aposta e, forçando risadas mórbidas para a internet, falarão de “CPF cancelado”, num deboche contra a vida humana que só é possível àqueles que sabem que as pessoas que lhe são importantes, por mais crimes que cometam, não correm o risco de terem também seus CPFs cancelados – até porque têm nome e sobrenome e, claro, bons advogados. Apostam no inferno para a vida alheia, enquanto garantem uma vida de luxo e regalias para si e para os seus. Se não estamos sob o domínio da Máfia, talvez devamos pensar em um nome que ofereça uma dimensão da distopia em que nos metemos desde a ascensão da ultradireita – ou do neofascismo – ao palco político.

Em sua dissertação de mestrado, com toda razão, Marielle Franco questionou a banalização do uso da palavra guerra. O que nós não entendíamos é a estratégia, antiga, é verdade, de forjar a guerra para se autorizar a barbárie sobre a casa do outro, sobre o corpo do outro, sobre as vidas alheias. Alimentar a estupidez é a escolha de quem ganha sem ter que apresentar nada de bom no fim do dia, no fim do ano, no fim do mandato. É a lógica do quanto pior melhor, ou, se a vida da população vai melhorar no governo do adversário, melhor “queimar a floresta toda”. Assim, se sentirão vingados. Com certeza, não são patriotas. Resta saber se são humanos.

A estupidez é tamanha que eles nem se preocupam em organizar o discurso. Para quê? O discurso será despregado da verdade, será martelado nos grupos das redes sociais, onde possíveis alvos, que não se sabem, e fãs de capitães Nascimento degustam o sabor da vingança possível contra o corpo do inimigo pobre – já que é impossível vingar-se do inimigo rico. A estupidez é tamanha que o desgovernador começou o dia de ontem comemorando o sucesso da operação, seguiu improvisando um abandono do governo federal, e logo voltou atrás, terminando por soltar seus cães coléricos para atacar quem não entendeu nada de sua explicação.

É que, a princípio, 64 mortos, sendo quatro de policiais, pareceram-lhe um caso de sucesso! (Então, 119, e contando, serão o ápice do bom serviço prestado?!) É que o desgovernador já entendeu que o crime compensa, que dada a dimensão do acontecimento, qualquer apuração vai levar anos e ele e seus asseclas, os mais importantes, restarão livres. Talvez, claro, talvez um ou outro peixe pequeno precise ser sacrificado e, por isso, terá seu silêncio muito bem recompensado, enquanto passe uma temporada na cadeia. Porque o crime no Rio de Janeiro compensa e todos os moradores daqui já sabem disso e, se se mantêm honestos, seguindo o exemplo do Padre Júlio Lancellotti, é mais por uma obstinação a si mesmo do que pelos exemplos da história.

O que estes cidadãos, estes verdadeiros cidadãos, gostaríamos de saber agora é a história de cada uma das vítimas, sobretudo, gostaríamos de saber quantos dos mortos têm passagem pela polícia e quantos são “efeito colateral” de uma guerra

 

¹ ''Atira na cabecinha'': relembre frases de governadores do RJ

² (512) Deputado TH Joias é preso no Rio acusado de lavar dinheiro para o Comando Vermelho | FANTÁSTICO - YouTube

Imagem retirada de Operação policial em favela do Rio de Janeiro causa pelo menos 18 mortos - Expresso

No comments:

Post a Comment