Em 2018, o desconhecido juiz
Wilson Witzel foi eleito governador do Estado do Rio de Janeiro. Aliado de
Bolsonaro, Witzel ficou famoso por dar saltinhos de alegria na Ponte
Rio-Niterói, quando a sua polícia matou um homem com transtornos mentais, que
tinha sequestrado um ônibus, e ao afirmar que a sua polícia ia mirar “na
cabecinha e... fogo”¹. Sobre o massacre do Carandiru, com 111 mortos, o próprio
Bolsonaro, seu avalista, já afirmara: a polícia “matou foi pouco”. Claudio
Castro, ontem, seguindo o projeto de seus mentores, superou o Carandiru e
entrou para a história – com a diferença que, agora, seus mortos não estavam condenados.
Como qualquer morador do Rio
sabe, Witzel caiu em desgraça com o clã Bolsonaro e foi retirado do cargo. Ele
substituíra Pezão, vice de Sérgio Cabral, e trouxera como vice o atual
governador do Rio, que, em 2022, foi eleito no 1º turno com mais de 58% dos
votos – contra pouco menos de 28% de Marcelo Freixo. A população do Rio de
Janeiro não teve dúvidas: entre o professor de história e o vice de Witzel, escolheu
com folga a Claudio Castro, igualmente aliado de Bolsonaro.
Sem nada para oferecer como
governo, na campanha, seguindo a filosofia do “tiro na cabecinha”, ou a do
“bandido bom é bandido morto”, Claudio Castro apostou na necropolítica: 27 mortos no Jacarezinho, em 2021, 23 mortos
no Complexo da Penha e 16 no Completo do Alemão, em 2022. Contra o deputado
estadual que presidiu a CPI das Milícias e colocou alguns de seus chefes na
cadeia? Não tinha como perder.
Agora, às vésperas da campanha de
2026, ainda sem nada para apresentar, inclusive na segurança pública, e sonhando
com uma das duas vagas para senador, o governador e sua trupe apostaram nas
mesmas cartas: matar pobre e preto, ou branco pobre, que é quase preto. Contam
com a vantagem que os pobres e pretos, ou brancos pobres, que são quase pretos,
não contam, não têm nomes, nem história. Como o Estado não é obrigado a
apresentar seus nomes e se tinham passagens pela polícia, serão todos agrupados
e apagados sobre o rótulo de criminosos do Comando Vermelho.
Não importa se todas as operações
da polícia que resultaram em grande apreensão de drogas, ou armamento, nunca
tiveram como alvo as comunidades pobres do Rio. Não importa se todas as
evidências confirmam que o melhor é investir em inteligência e seguir o
dinheiro – numa sociedade em que os políticos preferidos do Rio têm por costume
comprar imóveis em dinheiro vivo. Esses métodos não dão a fotografia dos corpos
quase nus (por quê? Como foi isso?), degolados (por quê? Como foi isso?), com
ferimentos que denunciam a execução pura e simples, lado a lado, que garantem o
santinho de campanha no subconsciente de uma população que, estando na mira,
acha que o alvo é o outro e escolhe o capitão-do-mato como representante
político. Por isso, odeiam História, que vai ensinar que o capitão-do-mato é
sempre amigo do sinhozinho.
Como se ninguém tivesse visto a
reportagem sobre Tiego Raimundo de Oliveira Santos, vulgo TK Joias, condenado a
14 anos de prisão por ligação com o Comando Vermelho e solto por uma manobra
legal, e ninguém soubesse que ele foi catapultado a deputado estadual no MDB,
com a colaboração do governador, e fotografado com os principais nomes da
segurança pública do Estado². Como se estas comunidades produzissem as drogas e
os armamentos que os policiais agora fotografam como prova do sucesso da
operação. Como se os chefes do tráfico vivessem mesmo nas comunidades
abandonadas pelo poder público – que só se faz presente para impor a guerra. Como
se nós não soubéssemos que a política irresponsável e o enfraquecimento das
instituições de controle do governo Bolsonaro não estivessem na raiz dos frutos
estranhos que a população foi buscar no mato para dar a dimensão real do horror
desta jogada de marketing de Claudio Castro.
Já, já, desavergonhados dobrarão
a aposta e, forçando risadas mórbidas para a internet, falarão de “CPF
cancelado”, num deboche contra a vida humana que só é possível àqueles que
sabem que as pessoas que lhe são importantes, por mais crimes que cometam, não
correm o risco de terem também seus CPFs cancelados – até porque têm nome e
sobrenome e, claro, bons advogados. Apostam no inferno para a vida alheia,
enquanto garantem uma vida de luxo e regalias para si e para os seus. Se não
estamos sob o domínio da Máfia, talvez devamos pensar em um nome que ofereça
uma dimensão da distopia em que nos metemos desde a ascensão da ultradireita –
ou do neofascismo – ao palco político.
Em sua dissertação de mestrado, com
toda razão, Marielle Franco questionou a banalização do uso da palavra guerra.
O que nós não entendíamos é a estratégia, antiga, é verdade, de forjar a guerra
para se autorizar a barbárie sobre a casa do outro, sobre o corpo do outro,
sobre as vidas alheias. Alimentar a estupidez é a escolha de quem ganha sem ter
que apresentar nada de bom no fim do dia, no fim do ano, no fim do mandato. É a
lógica do quanto pior melhor, ou, se a vida da população vai melhorar no
governo do adversário, melhor “queimar a floresta toda”. Assim, se sentirão
vingados. Com certeza, não são patriotas. Resta saber se são humanos.
A estupidez é tamanha que eles
nem se preocupam em organizar o discurso. Para quê? O discurso será despregado
da verdade, será martelado nos grupos das redes sociais, onde possíveis alvos,
que não se sabem, e fãs de capitães Nascimento degustam o sabor da vingança
possível contra o corpo do inimigo pobre – já que é impossível vingar-se do
inimigo rico. A estupidez é tamanha que o desgovernador começou o dia de ontem
comemorando o sucesso da operação, seguiu improvisando um abandono do governo
federal, e logo voltou atrás, terminando por soltar seus cães coléricos para atacar
quem não entendeu nada de sua explicação.
É que, a princípio, 64 mortos,
sendo quatro de policiais, pareceram-lhe um caso de sucesso! (Então, 119, e
contando, serão o ápice do bom serviço prestado?!) É que o desgovernador já
entendeu que o crime compensa, que dada a dimensão do acontecimento, qualquer
apuração vai levar anos e ele e seus asseclas, os mais importantes, restarão
livres. Talvez, claro, talvez um ou outro peixe pequeno precise ser sacrificado
e, por isso, terá seu silêncio muito bem recompensado, enquanto passe uma temporada
na cadeia. Porque o crime no Rio de Janeiro compensa e todos os moradores daqui
já sabem disso e, se se mantêm honestos, seguindo o exemplo do Padre Júlio
Lancellotti, é mais por uma obstinação a si mesmo do que pelos exemplos da
história.
O que estes cidadãos, estes verdadeiros cidadãos, gostaríamos de saber agora é a história de cada uma das vítimas, sobretudo, gostaríamos de saber quantos dos mortos têm passagem pela polícia e quantos são “efeito colateral” de uma guerra
¹ ''Atira
na cabecinha'': relembre frases de governadores do RJ
Imagem retirada de Operação policial em favela do Rio de Janeiro causa pelo menos 18 mortos - Expresso

No comments:
Post a Comment