Já disseram que, quando eles
perderam a vergonha, se tornaram invencíveis, e alguma derrota não lhes impõe
um grande prejuízo – que um ou outro seja preso ou morra (de Covid, ou numa
queima de arquivo), tudo está dentro dos cálculos que aceitaram para vencer na guerra - esta palavra que autoriza toda barbárie. Muitos subiram tanto apostando na estupidez que qualquer queda os deixará
em lugar melhor do que quando começaram este jogo da morte: a estratégia é
dobrar a aposta, e dobrar a aposta e acreditar na ignorância geral da massa
entorpecida, e apostar que o barulho de hoje, independente de sua adesão à
realidade (verdade), abafará o pedido de socorro de quem morre afogado no seco
de ontem e nas águas das chuvas de hoje. Tudo o que restará é uma crosta
pegajosa que manterá unida e obediente a população fanatizada e carente de uma
identidade de grupo, regida pelo pastor ou pelo miliciano, quando não a mesma
pessoa, da vez.
Não importa se foram 700 mil
mortes pela Covid, tampouco se a descrença na vacina contaminou a adesão à
vacinação das crianças para outras imunizações, não importa se é um estado que
desaparece embaixo d’água, é preciso negar a ciência, é preciso culpar as
árvores e os rios. (Há método no caos, Hamlet.) No absurdo do absurdo, o
parente que perdeu o familiar pela Covid culpa a falta da cloroquina e do
tratamento precoce, o gaúcho, que perdeu a casa nas águas do descaso da
manutenção das barragens e das casas de bombas, responsabiliza a natureza pela
história eterna dos rios fazerem o que sempre fizeram em tempos de chuvas
e, absurdo do absurdo do absurdo, a grande presença de terreiros de umbanda no
município. (Feito à imagem e semelhança deles, um deus vaidoso e violento distribui desgraça e morte.)
A resistência, de qualquer lado,
precisa se equilibrar entre ataques infundados (muitos deles financiados por
redes orquestradas) e a necessidade de agir para minimizar danos e poupar vidas,
entre gastar energia, tempo e dinheiro para trazer soluções a problemas reais e
evitar que problemas imaginários (mentiras) ganhem repercussão real e
prejudiquem socorros em andamento. A crosta pegajosa desvia a atenção e o
socorro que deveria ir para uma cidade em situação de calamidade pública vai
para outra em condições melhores – e, no meio do caminho, a pedra filma os
caminhões das Forças Armadas “negando” ajuda aos desesperados das estradas. A
resistência reage (esta é a sua vida) já também por instinto: como mentir não é crime, quando a mentira se
associa a crimes, o processo para provas as conexões é lento, e o novo malandro, enriquecido através dos
truques de prestidigitação que aprendeu com os seguidores da besta, dobra a
aposta. E, já que uma parte vai se candidatar nas próximas eleições, qualquer
barulho serve.
Em 2018, Manuela d’Ávila se
candidatou ao cargo de governadora do Rio Grande do Sul pelo PC do B. Em suas
propostas, os cuidados que a cidade de Porto Alegre (atingida por três
enchentes nos últimos 300 dias) e o estado precisavam para diminuir as
consequências meteorológicas da mudança climática. Com medo do comunismo, este
espantalho tão bem sacudido por pastores, a população escolheu Eduardo Leite
para liderar o estado (e repetiu a escolha em 2022, mesmo depois que ele abandonou o mandato para flertar com a candidatura à presidência da República). Tudo é um cálculo muito rasteiro e a população conta e lê mal. Já para a prefeitura de
Porto Alegre, em 2022, entre Manuela d’Ávila e Sebastião Melo, o povo escolheu
este último que, entre as suas ações, não investiu um centavo em 2023 na prevenção
de problemas com enchentes.
Não há por que ter esperança. A população vai se deixar levar mais uma vez pelo medo de que seus filhos “virem” gays, ou comunistas, e escolher novamente os estranhos representantes da família e dos bons costumes (liberais), que pregam a diminuição do Estado, de qualquer estado de proteção social, sem o qual, neste exato momento, não haveria nenhuma perspectiva de reconstrução e melhora para quando a água baixar, literalmente. É assustador ver o governador do estado do Rio Grande do Sul fazer propaganda de um pix de uma rede de bancos privados como símbolo de austeridade e eficiência para gerir as doações que chegam para ajudar a população. Mais assustador é perceber que o governador finge não haver nenhuma contradição de ele, sendo o representante do setor público, gestor perdido na maior destruição já vivida pelo estado, atacar o único ente em condições de ajudar de forma significativa os desabrigados que a sua irresponsabilidade criminosa gerou.
São centenas de mortos e desaparecidos, milhares de desabrigados, mas eles, esses super-homens, simplesmente não ligam.
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