Sinto-me como aquele garoto que, tendo passado
todo o dia pegando doce de Cosme e Damião, à tarde, na entrada da noite, senta-se
para desfrutar de suas conquistas e merecidamente lambuza-se na felicidade
singela e honesta dos meninos. Vendo a riqueza e a variedade dos doces, não cuidou
de estratégias e entregou-se à fartura - "como se não houvesse amanhã
(porque, na verdade, não há)". Porém, os amanhãs se juntaram como essas
folhas que anunciam a mudança das estações e os doces se foram esgotando - e a
saúde já fez exigências.
O saquinho, agora, guarda umas balas, uma
maria-mole e muitos suspiros. Com os cabelos canosos, olho-os como quem admira
o tempo, tendo aprendido algo, belos poemas: a companhia constante dos amigos,
que fizeram o possível para não abandonar a mesa ("e não deixei meu
cigarro se apagar pela tristeza"), o abraço firme e o generoso do meu
filho, a inteligência e a força da minha filha e a gentileza dos dois para
entender que o menino fez o que pôde com os limões que ganhou dos dias e,
belos, ainda aprovam a caminhada. Ficam-me um ou dois contos de Borges, algumas
músicas do Aldir e do João Bosco, a poesia de João Cabral, Drummond e Gullar...
Ficam-me essas preciosidades que escapam ao mercado.
Ficam-me vocês que são eternas em mim.
Agora que estão escasseando, os doces são todos
saborosamente meditados e alimentam, na maturidade, a certeza de que, se não
dará tempo para ver o mundo todo, já posso repetir alguns prazeres - como
reencontrar Diadorim, ouvir Racionais, "Pescador de ilusões" e
Rapadura, tentar entender Marx, aprender chinês, conhecer Cuba, ver o Pacífico
novamente...
Tá tudo bem. Já é possível caminhar até a ponte
e realizar, sem perigo e sem drama, o desejo de balançar as pernas.
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