22.12.08

Feliz mil coisas



Após o clima de “Variações sobre um feliz aniversário”, é natural amenizar. A confraternização do aniversário do Fabiano, o retorno do irmão, uma certa certeza de que faremos, ainda que mundo vá realmente acabar, novas festas é reconfortante.

E é importante não esquecer que eu não consegui definir se o defeito está nos olhos, ou na paisagem.

Então, recebi um texto sobre este clima alucinado de festas, esta hipnose coletiva vendida nos comerciais que oferece um mundo melhor com tvs de lcd, celulares, comidas quentes e papai Noel de roupão.

***

Oi. Olá...

Vi seu texto. Parei. Precisei localizar quanto naquele texto o também sou eu... sim, porque também sou eu este texto.

É, eu sou capaz de ver tudo isto. É justificável o desânimo. Neste mundo, quem quer ser triste só precisa abrir os olhos. É mais fácil, como faz boa parte das classes média e dominante, se esconder no seu condomínio. Eu, pra tentar um pouco de sobriedade, sempre que estou muito feliz, ouço Belchior e paro de frescura. E freqüento os buracos que sempre freqüentei. Menos agora, é verdade. Mas, tento manter o vínculo que me acorda, que não me permite a anestesia constante de ignorância.

Aliás, eu sei disso de dentro. Nunca estive nas ruas, mas já senti fome. Já comi muita açúcar com farinha. Já fiz muita farofa de farinha quente. Já morei em muita favela, em invasão e outras coisas mais que foram endurecendo o menino.

Não. Não foi amadurecimento. Foi endurecimento mesmo.

Não. Não foi transformação em homem. Foi criação de pedra.

Mas, sei lá. Tudo isso serviu pra quê? Prova o quê? Não prova nada. Não prova que Deus existe, ou deixou de existir. Mas prova que eu sobrevivi mais uns dias e fazer um novo brinde no dia do aniversário e escrever um texto pesado. Mostra que eu posso. E que, se eu posso, todo mundo pode. Ou deveria poder...
Entretanto, eu sei, às vezes, a dor é tudo que se tem. E muitas pessoas não conseguem transformar esta dor em força. Talvez porque fazer isso, seja dar o novo passo. Continuar com tudo o que nos compõe e, ainda assim, renovado. Significa dizer que não dói mais do mesmo jeito... é estranho... Espero que me entenda por inteiro... aos pedaços, eu teria que escrever muita mais e me embolar muito mais.

Claro que eu me pergunto: mas o que você pode? O que você ganhou? E, às vezes, eu não sei. E, às vezes, eu não sei demais. Porém, quase sempre, não há como negar que eu ganhei mais um ano de festa. Que comemorei com os meus filhos, com os amigos.

Permiti-me extrapolar, passar dos limites, sentir vergonha, até me permiti xingar o presidente, o meu vizinho, o meu chefe... permiti-me ficar puto com todos, incluindo os meus filhos, que me salvam todos dias, com os amigos que amo e me tornam possível.

Então, é isso que eu descubro em cada efeméride boba desta, em cada uma destas datas cheias de presentes para pais, filhos, amigos, cheias de festas, cheias de comerciais que promovem um sentimento novo enquanto vendem um velho produto...

Então, é isso que eu comemoro. Comemoro a minha autorização para abraçar minha filha no ano que vem, comemoro o futebol com meu filho. O porre com os amigos. Comemoro o amor que chega e vai embora. Comemoro as tolices, as banalidades. Autorizo-me os insucessos, autorizo-me a ir à praia em dias de chuva... O mundo pode acabar, mas eu me autorizo a sentar no bar, pedir uma cerveja e ver.

Eu me autorizo esta festa, fingindo que estou por cima dos narizes afundados, mas sabendo que todos sentem a mesma coisa e só disfarçam um pouquinha pra também se autorizar...

Feliz-feliz qualquer dia destes (e todos os dias).

Beijão.

***

Férias.

O médico me proibiu de acordar antes das 9h.
Pediu que eu parasse com o café e me concentrasse na cerveja e nos meus filhos, e nos amigos.

Disse que eu vou continuar com problemas financeiros, então que parasse de sofrer e comprasse os presentes.

Tá falado.

***

É isso aí, se você perambulou por aqui, obrigado por vir, obrigado por me ouvir.
Em 2009, tâmu, dinovo, tudoaí.

Se você passa por aqui, sem querer ou querendo, aquele abraço, boas festas e tenha paz.

1.12.08

Variações sobre um feliz aniversário





Aprendi, não sei com qual anjo torto, a desconfiar de toda eternidade - esta assustadora pretensão humana, que me apavora ainda mais ao pensar que, esta já pequena eternidade que é a vida, é um buraco carregado de adeus.

E esta contagem comemorada anualmente é uma contagem regressiva e, se aponta um agradecimento pelo que temos, escancara uma dor futura pelo que perdemos/perderemos.

Seria mais fácil não pensar nisso, é claro. Mas eu não sou feito desta matéria e os meus encontros marcados são o gotejo da saudade dos meus mortos - inclusive dos que estão vivos.

A cilada deste raciocínio é transformar, precocemente, o oi em adeus - desculpem a trivialidade dos termos. Eu tenho tendência a desconsiderar a pompa e o rebuscamento, às vezes.

Eu te amo, e esta alegria me angustia porque eu vivo sob a égide do acaso e sei que o câncer espreita cada célula do meu corpo e o teu cansaço.

Eu te amo, e esta força me atormenta porque sei que a vida urge na tua adolescência. Eu sei: todo homem é lobo. Você vai saber; eu não queria. Eu tenho medo e sei que não estarei perto e forte sempre que precises.

Eu te amo, e esta festa me consome porque vou sentir como se a vida tivesse me traído, quando você chorar, minha pequena. Eu sei: todo homem é lobo. É preciso aprender a manejar a sua perversidade pra torná-la suportável.

Eu te amo, e esta glória vive contando os dias. E, hoje, em festa, eu, como um egoísta, penso como viverei na tua ausência.

É verdade, eu brindo e canto com todas as almas do meu corpo. Mas como não se perguntar onde estarão todos, amanhã? Existirão outros? E quem disse que isto diminui o globo às costas de Atlas?

E falo, aqui, apenas da conta linear, natural, previsível... duramente previsível...

Mas, e se o mundo trapacear? Como viverei eu, que tenho umbigo? Com que força feita de saudade poderei perdoar o acaso e seus mil nomes? Eu que não sei terminar as coisas... Eu que não creio em eternidades, mas não posso deixar de ser um engenheiro de areias... como?

E com que inocência eu posso enfeitar este texto, que é o presente que me dou - todo ano? Como eu, que acredito na finitude, posso amenizar as despedidas que me despedaçarão - e serão, evidentemente, uma despedida de mim mesmo?

***

Criando estas bobagens... criando brindes... inventando motivos... e amando vocês.

Talvez.

Amém.

***

PS: Eu sei. Façamos uma última pieguice. Viraremos cinzas e brindaremos no mar.

PS2: Li em algum lugar, agora, enquanto procuro a foto do blog: "Beleza é como flor sem perfume." É a vida.

PS3: Não me confundam com um melodramático. Sou camuniano demais pra isso...

PS4: Não há, no google, uma foto que representa uma flor feia. Drummond foi primeiro.

PS5: Fotos de Areias Brancas, Ceará. Terra e berço e terra.

24.11.08

Variações sobre um Feliz Aniversário e Rodoviárias II



Este blog é o último sobrevivente dos blogs dos meus pares. Isto se dá porque escrever é também uma válvula de escape. É também um flerte com uma eternidade de areia. Entretanto, os textos opinativos aqui colocados se mostram cada vez mais desnecessários. Isto porque toda opinião importa; o quê, claro, significa dizer, nenhuma opinião importa.

Então, este espaço voltará (ou tentará voltar) a sua função de treinamento para o escrevinhador que o criou. Será o espaço para uma suposta e pretensiosa literatura.

Quanto às opiniões, até que o humor mude, ficarão apenas para as solicitações dos amigos. Embora saiba que tudo é areia, embora saiba que sou feito de areia, gosto de pensar que não sou seu fazedor.


***



Há alguns anos, nesta mesma tabuleta, escrevi um texto chamado Rodoviárias (http://ideiasaderiva.blogspot.com/2005/04/rodovirias.html ). É um texto que descreve um povo que, migrante, perambula nas periferias de tudo, quase imune à dor, quase transparente; não fora seu som.

Há menos de um mês, mudei para um bairro pretensamente nobre do Rio de Janeiro. A rua em que moro tem Centros Culturais e muita história. Tem um classe média pretensiosa e uma nobreza hereditária. Há uma gente atual, antenada, que ocupa os apartamentos e os grandes projetos que ocuparão o futuro. E preparam seus herdeiros para repetir a história.

Mas, novamente, eu só consegui perceber que as rodoviárias estão espraiadas como as areias que o vento e os banhistas insistem em afastar do litoral, mas que serão sempre um pouco do mar. As rodoviárias seguem pelos trilhos trens para os subúrbios de todo lugar. E todo lugar tem seu subúrbio. As rodoviárias seguem pelas avenidas asfaltadas e vão se esconder nos sotaques das portarias da Zona Sul, dos sonhos dos trabalhos subalternos das domésticas, dos motoristas, dos calçadões. Há uma gente em que a modernidade não apaga os traços duros herdados. São histórias e tradições.

Porém, não me tomem por inocente. Ninguém está obrigado a nada – assim parece. E assim como a nobreza, os subúrbios, em qualquer canto, também constroem a sua nobreza.

Há uma caverna em cada prédio e nela está este povo forte e... servil. E servindo. Dentro do grande centro da grande cidade, este povo consegue manter uma vida de subserviência e agradecimento. É um povo para os trabalhos menores. Um povo platônico, que, mesmo quando alcança o conforto, é caricato e permanece distante do comportamento cosmopolita, civilizado e europeu. Um povo que freqüenta a corte como um pavão barulhento, impossibilitado de ser o grande rei, ou o grande ladrão. Um povo do meio...

Este é um povo vivo de uma linguagem morta. De uma história morta. O jagunço de agora observa dos morros a pobreza de todos e goza na sua força e na sua impiedade – esqueçamos o romantismo. Então, todas as histórias estão quentes e ai pra por no prato. Nada esfriou, pois este povo periférico é latente, e ainda não entende o que fazer com a modernidade, portanto vive escrevendo saudades e retornos, embora não saiba mais pra onde.

Descobri agora que não existe mais o nordestino, só o migrante, só o estrangeiro saudosista, que estranha e, portanto, guarda a história do novo grande romance.

***

Provavelmente, a velha mina dará o novo ouro, mas é verdade também que não existem tantas minas.

9.10.08

Encontro marcado

São 6 horas da manhã. É verão e o mar está tranqüilo. Parece que quase tudo se apaziguou. A alma completa e o céu azul. O vento quente do mar é mais um afago a desmanchar a toalha arrumada na areia.

“Acho que eu poderia ter pintado a canoa.”

As crianças foram embora no domingo. O barulho festivo deu lugar a um silêncio festivo. A filha da Helena deixou um monte de desenhos rabiscados pra eu não esquecer deles.

Penso na minha mãe. Há um desenho na minha cabeça onde ela está um pouco curvada ouvindo o pedido do seu filho mais mimado. São os rabiscos de Manaus, no início da década de 70. É meu aniversário. São quatro ou três anos. Visto um macacão vermelho do tipo fórmula 1. Tem muita criança. Dá pra saber pelo barulho.

“O que acha de pintarmos a canoa?”
“Não vejo diferença. A missão dela é ir pro mar.” – responde meu pai, e o velho manco ao lado concorda.

Somos todos muito práticos agora e, na realidade, esta é uma visão muito otimista. Infelizmente, alguns homens ficam tempo demais perto das pedras. Aprendem por dentro a cor da rocha por fora.

O garoto agora corre pela avenida principal, próxima ao caís da Zona Franca. Há um chafariz na praça em frente ao bar da minha mãe. Eu tiro a camisa e mergulho. É uma piscina. Está cheia de garotos de rua – mas, ainda não era prático o suficiente pra saber o que são garotos de rua. Talvez a água também estivesse suja.

“Hoje, está tudo tão claro.”

Hyde senta ao meu lado. Está insatisfeito com tudo desde que paramos de beber. Meu pai o trata de bicha. O mar ameniza tudo, eu sorrio. São dois brutos e o mar vai apagando os brutos e os rabiscos.

O garoto do chafariz pergunta o que esperamos e eu respondo que mais um pouco. Respondo que é vontade de não ir embora. Mas, não estou convicto.

Hoje, não houve aula. São as férias.

“Quase não há nada pra quem prega a finitude de tudo.”
Com um muxoxo, o Hyde diz que estou esperançoso demais hoje. Que mais um pouco vou falar de milagres...

Meu pai concorda. O velho olha o mar.

“Mas, foram só encontros.”

O Hyde e meu pai levantam. Vão pra dentro da casa fazer algum barulho. Esta calma toda os entedia.

O velho manco e o menino me olham. Têm um sorriso. Minha mãe chega mais pra perto. Tem um abraço bom ali. Mesmo pro velho manco. É aquela mulher um pouco curvada. É feita de outro tipo de fortaleza. E de mil surras.

“Deu tudo certo.”
Rimos.
“Isto merece um brinde.”
“Mas o médico proibiu a todos.”
Silêncio. O som do mar e nos escangalhamos de rir.
“Talvez um grande churrasco, com muita carne vermelha.” E mais risos.
O garoto levanta e me dá um abraço. Eu o beijo. Pensamos nos nossos filhos e entendemos que esperaremos mais um pouco.

Todos se levantam e vão, calmamente e sorrindo, em direção à canoa.

Eu espero um pouco mais. Olho as velas das jangadas. As canoas retornando com os pescadores. O sol, hoje, fará mais um dia de espetáculo.

Levanto. Pego a toalha. Me espreguiço.

“O que terá acontecido com todos que nos encontramos?”

Vou pra casa.

“Ainda não li Dostoiésvsky. Talvez, escreva uma carta pra alguém... e se eu criasse um blog? Talvez possa desenvolver um velho projeto... quem sabe, o Bandeja?

26.9.08

Sobre John Fante Trabalha no Esquimó

Amigo de longa data, Mariel Reis convidou-me para prefaciar o seu livro "John Fante Trabalha no Esquimó". Talvez por perfeccionismo (leia-se medo, incompetência, desorganização), fui adiando o projeto. Após o livro fechado, consegui atender a solicitação.

Então, eis-me falando de coisa séria novamente.

***

A Agudeza Incômoda de Um Escritor

“Vou de branco pela rua dos homens” e encontro o texto do amigo Mariel, antes de mais nada, um conquistador.

Escritor de agudeza incômoda, Mariel, em “JOHN FANTE TRABALHA NO ESQUIMÓ”, traz, como é sua característica, a urbanidade e o esplendor da crueza dos fatos. Aliás, é uma literatura crua o que se apresenta.

Mariel é um narrador e ponto. Já, o leitor pode torcer o nariz, é livre. Entretanto, Mariel é mais do que um naturalista, pois seu olhar não põe relevância nem nas mazelas, nem nas amenidades do cotidiano. Os detalhes escondidos no texto são colocados de tal forma que um olhar distraído pode não encontrá-los. É importante deixar claro, sua profissão, antes de mais nada, é a de contador.

Esta linha de contador isento também formula a impossibilidade de reconhecer características do autor – meu amigo – nas suas personagens. Eu, que sofro da propensão de me incluir nas narrativas, de filosofar minhas relíquias, não o vejo nem quando o encontro ao lado de John Fante, entre um almoço e outro, no Esquimó. Mais o adivinho do que o vejo.

Este conto, inclusive, pode, numa análise freudiana, servir como testemunho da incomparável paixão do Escritor por sua arte e seus artistas. Ver, melhor!, buscar os traços dos seus heróis nos transeuntes esquecidos das ruas prova a intimidade e a paixão movente de Mariel Reis com o seu fazer.

Se o leitor desavisado desejar outra prova, sugiro-lhe que conquiste dois minutos de prosa com o autor. O que terá é uma aula, provavelmente, mais frutífera do que anos de faculdade. Lamento, mas alguém precisava dizer isto.

Os contos apresentam as personagens com as quais convivemos todos os dias, o inseguro, o, vamos dizer, paradoxal Estevão com sua profissão, suas cruéis armações e seu final perdoado e exemplar. Aliás, ainda que eu não seja um grande leitor, este conto traz os respingos da antiga crueldade de Rubem Fonseca. A gorda e seus desejos – que a sociedade não reconhece, os mendigos e os furtos pela vida, por pouco que seja, entre outros.

Jonas, A Baleia tem algo de assustador na imagem de Cristo. pendurada na parede, enquanto o homem se transforma em baleia pra servir de almoço por uma estação. Gostou? É um pequeno e potente conto kafkiano com sobras e louvores. Obra de quem conhece a estrutura que aperfeiçoa.

Já em “Uma história das ruas”, não posso deixar de pensar que “a menina comia depressa suas bolachas” pois sabia que eram o doce que a vida lhe permitiria e, mais, que este doce ainda era roubado.

Somos homens mais duros, hoje. Podemos pensar e cometer pecados piores. Mas, que bom que ainda somos capazes de ornar a tristeza e aproximá-la de um pequeno brilhante.

***

Porém, seria uma aberração, eu, que mal leio, ficar a lapidar o texto que Mariel Reis nos oferece e tentar explicar a mulher que se embrulha pra presente, ou do diabo que conhecemos no outro, imperceptível durante a noite de balada, e quando o outro se convence de que o diabo é o melhor de si. E quando tudo vai embora, mas o diabo fica. Ou, ou...

Não. Não. É mais interesse que você o caminhe e não se deixe enganar pelo que parece algo trivial. O interesse do autor, claro, vai ser sempre tentar enganar os seus olhos.

13.9.08

O Segredo

Então, lá vou eu de novo. Tempo sobrando, esqueci o Guimarães Rosa dentro de uma bolsa, a Clarice, perdida aqui no trabalho, está muito complicada, e, hoje, eu quero um pouco de água com açúcar.

Caiu em minhas mãos, O Segredo, que virou filme, tem seus bonés, suas camisas, enfim, estas coisas de religiões. – será que Wahrol pensou que não só as pessoas teriam 15 minutos de sucesso, mas também as certezas?

(Tudo bem. Respira. Abra mão dos seus pré-conceitos. Isso. Assim. Feche os olhos. Respira. Respira. Pense no céu. Isso. Agora, pássaros voando... Assim. Agora, pense em paz... Opa! Esqueça Belchior. Pense em paz. Pronto. Respira. Respira. Isso... agora, leia a capa... agora a 4ª capa.)

“À medida que percorrer estas páginas e aprender O Segredo, você passará a saber como pode ter, ser ou fazer o que quiser. Passará a saber quem realmente é. Passará a saber a verdadeira grandeza que está à sua espera na vida.”

O livro é belíssimo. Deve ser caro fazer um negócio assim. Aliás, concluíram que o problema do mundo é dinheiro. É uma das coisas que mais são oferecidas pelo O Segredo – som de mistério, por favor.

Bob Proctor, que é, deixe ver, filósofo, escritor e consultor pessoal, diz na página 6:

“Por que você acha que 1% da população mundial detém 96% de todo o dinheiro que circula?”

Má distribuição de riqueza – arrisco inocentemente segurando meus parcos conhecimentos de Marx, Comunismo, Socialismo, igualdade entre os homens.

“Você acha que isso acontece por acaso? Isso é planejado assim. Esse 1% entende algo. Eles entendem O Segredo, e agora você está sendo apresentado a ele.”

Hummm... Estavam me sacaneando, eu era um ignorante, mas, agora, como se farpas entrassem pelos meus olhos, fez-se a luz. Agora, entendi. A culpa da pobreza do mundo é do pensamento negativo de 99% das pessoas... Da falta de ambição... da ignorância. Interessante! O Edir Macedo não falaria melhor.

Mais uma vez, Bob Proctor.

“O que você vê na sua mente é o que você vai ter na mão.”

Entenderam, Luma de Oliveira, há 15 anos, Sheila Carvalho, Mônica Carvalho e mais um bando que não respeitam a força do pensamento de um adolescente?

Agora, Mike Dooley, escritor e conferencista internacional, - entendeu? Nem eu.

“Pensamentos viram coisas.” – acho mais poético ler o verbo “viram” como “ver”.

Hummm... acho que vou parar porque aqui. Por hora, estou satisfeito com meus pensamentos positivos...

***

Não pude deixar de pensar nos africanos e concluir que são muito pessimistas.

28.8.08

A nova quadra da Vila Isabel, Zeca Pagodinho e meu anjo de guarda de folga.

Bem, hoje é quinta-feira (pelo menos, era). Falo isto porque é provável que o pessoal que está entrando pra assistir o show do Zeca Pagodinho, na nova quadra da Vila Isabel, talvez não saiba, ou de repente é todo mundo desempregado... ou patrão... num sei.

Putz... Show do Zeca (o Zeca, sou eu, sem o samba), eu com dinheiro pro ingresso e pra cerveja, na porta da escola, um lata de Antárctica na mão, pensando numa "disgramenta" que eu não sei se existe - ou sei?, e indo pra casa... deve ser castigo.

Também, depois do último final de semana, se eu não dou férias pro anjo de guarda, eu o perdia. E já seria o 17º.

A vovó - vovó, aqui, não é figura de linguagem. Não é gíria de carioca, até porque eu sou cearense... Como eu dizia, a vovó oferece uma cerveja. É promoção! Dois latões por cinco. Fico pensando que esta senhora devia estar contando historinhas pros netinhos... Sabe o Sítio do Pica-pau Amarelo? Pois é... não vai rolar.

Tá brabo esta briga no meu ouvido. Parece discussão em favela*.

_Só mais duas. - eu sei quem tá falando.
_Nada disso! Você tem trabalho, amanhã. - esta, eu não sei, mas adivinho.
_Você não vai deixar esta bicha cooptada te convencer? Você é o homem. É o dono do seu nariz. - tenho certeza de quem está falando.
_Mentira!! - essa voz é mais racional, mas é meio esquisita mesmo.

O Brasil tem um dos melhores sistemas de limpeza do mundo - eu acho. Você deixa a latinha de cerveja parada pra... pra... pra coçar o cabelo e alguém já pegou. Sei não... deve ser coisa do Gabeira.

_Pára de palhaçada e pede também um coração de galinha no espetinho. - eu juro que sei quem tá falando.
_Você deve achar que tem 20 anos!? - (mas que f&¨&¨&¨da$%$#@#p&¨&¨ta!!)

Tem um meninada aqui que eu não consigo entender. Se tiver dezesseis anos, tá na hora deste mundo entregar o bilhete do trem.

Penso na Helena.

_Não.
_Por que não?

Ai, p¨%%#$#or98877ra!

_Não, porque não!!
_Mas ela é uma menina normal igual as outras.

(Som de cadeira voando, de vidro quebrando.) Spaw. Pow. Tum. - ele perdeu cabeça.

***

_Senhora, me vê só mais um latão.

***

No ônibus, a cobradora fala:
_Tem show do Zé Cachaça, hoje. - e ri orgulhosa.

"Mais respeito, dona. Mais respeito."

14.8.08

Grande Sertão: Veredas - 1ª parte

Muita coisa pra escrever. Mil revozeios ficam macaqueando minha mente e mãos. Mas, tudo será aguado, diante disto:

Página 48 da 29ª Edição da Editora Nova Fronteira

"Refiro ao senhor: um outro doutor, doutor rapaz, que explorava as pedras turmalinas no vale do Araçuaí, discorre me dizeno que a vida da gente encarna e desencarna, por progresso próprio, mas que Deus não há. Estremeço. Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra. É o aberto perigo das grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar - é todos contra os acasos. Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois no fim dá certo. Mas, senão tem Deus, então, a gente não tem licença de coisa nenhuma! Porque existe dor. E a vida do homem está presa encantoada - erra rumo, dá em aleijões como esses, dos meninos sem pernas e braços. Dor não dói até em criancinhas e bichos, e nos doidos - não dói sem precisar de se ter razão nem conhecimento? E as pessoas não nascem sempre? Ah, medo tenho não é de ver morte, mas de ver nascimento. Medo mistério. O senhor não vê? O que não é Deus, é estado do demônio. Deus existe mesmo quando não há. Mas o demônio não precisa de existir para haver - a gente sabendo que ele não existe, aí é que ele toma conta de tudo. O inferno é um sem-fim que nem não se pode ver. Mas a gente quer Céu é porque quer um fim: mas um fim com depois dele a gente tudo vendo. Se eu estou falando às flautas, o senhor me corte. Meu modo é este. Nasci para não ter homem igual em meus gostos. O que eu invejo é sua instrução do senhor..."

E, apenas em cinquenta paginazinhas, ainda tem:

"Amor? Pássaro que põe ovos de ferro" pag. 48
"Eu sei: nojo é invenção, do Que-Não-Há, para estorvar que se tenha dó." 47
"Riobaldo, a colheita é comum, mas o capinar é sozinho..." 46
"Olhe: Deus come escondido, e o diabo sai por toda parte lambendo o prato..." 44
"Moço: toda saudade é uma espécie de velhice." 30
"Não sou homem de meio-dia com orvalhos, não tenho a fraca natureza." 27

E se falar de amor assim:

"- mas Diadorim é a minha neblina..." 16

E,para eu não ter que digitar 50 páginas, pra terminar:

"A gente viemos do inferno - nós todos - compadre meu Quelemém instrui. Duns lugares inferiores, tão monstro-medonhos, que Cristo mesmo lá só conseguiu aprofundar por um relance a graça de sua sustância alumiável..." 38
Mais um, mais um:

"Confesso. Eu cá não madruguei em ser corajoso; isto é: coragem em mm era variável. Ah, naqueles tempos eu não sabia, hoje é que sei: que, para a gente se transformar em ruim ou em valentão, ah basta se olhar um minutinho no espelho - caprichando de fazer cara de valentia; ou cara de ruindade! Mas minha competência foi comprada a todos custos, caminhou com os pés da idade. E, digo ao senhor, aquilo mesmo que a gente receia de fazer quando Deus manda, depois quando o diabo pede se perfaz." 35

***

Eu sei. Nós vamos, não devíamos, mas vamos continuar escrevendo. Mas, isto é terapia. ´Mas, você também sabe, Literatura é outra coisa.

7.8.08

A era das imagens

e de acumular outras coisas...


31.7.08

Carta a meu irmão



Fala, Irmão.

Bom te ver. Saber que estamos escrevendo os nossos próprios erros com alguma grandiosidade feita de buracos e rasgados.

A gente meio que foi criado muito que na porrada - era a educação de sertanejo dos nossos velhos. De repente, era uma pedagogia pra engrossar a pele. Se a gente presta em pé, é parte desta educação de pedra, e parte por uma sorte afiada; daquelas que ficam prontas na hora certa.

O caminho meio que veio tropeçando na gente e a gente aprendeu a ficar ceguinho. Porque olhar muito aumenta a viagem, né, meu irmão? A gente meio que não planejou tá vivo amanhã, e aprendeu, logo cedo, a dar adeus. A gente meio que aprendeu a não olhar muito, né?! Porque senão a gente chora e a pele chora e desaprende e bambeia as pernas. A gente meio que tem o olhar um tanto assim de deserto.

É, meu irmão, se a gente não se partiu de fome, entre farinha e açúcar, foi porque colocaram alguma dose de açúcar na pedra forte na nossa fundação. Foi porque alguém provisionou um porção de sapos pra gente ir engolindo pelo caminho.

É que, às vezes, dá vontade de morder alguém. Mas, hoje, eu já tô bem "sibilizado".

Quando a mãe foi embora, o que eu senti foi um suspiro do abismo no meu pescoço. E acho que foi na debilidade dela que eu comecei a sentir saudade do mar do Ceará. Sabe, eu, às vezes, me imagino remando mar adentro. A gente meio que não teve tempo nenhum, né? Quando eu conheci a "Terceira Margem" do Guimarães, a gente já tava cavando o próprio caminho. Se der tempo, eu, um dia, te explico. Quer dizer, explico o que entendi. Eu meio que não sei quase nada, mas desconfio um bocado.

Eu meio que não sei o que você se tornou - na verdade, também não tenho a menor idéia do que me tornei. Tenho conquistado pequenas coisas e rido muito e feito rir muito. Então, acho que está dando certo. E se, hoje, a gente meio que se engabela com a beleza das nossas crias, e já sorrir das suas malandragens, é porque ver que esses já-belos-moços é o nosso presente do tamanho que o mundo tem pra dar - e a nossa parte dura meio que vai amolecendo, né? E a gente vai descobrindo que o céu está do lado de dentro e do lado de fora. E já é a forma de se regojizar e encher o que restou de alma na pedra, né?! Depois, eu te explico mais.

Mas o que eu ia dizer mesmo é que não sei o que o caminho escreveu em você, mas adivinho sempre o mesmo bom coração e a ingenuidade de todo irmão mais velho.

Te amo.

Segue uma foto do Marcus. (É bom confiar em alguém, né!!)



Manda um abraço pra todo mundo e diz que eu torço pra ele, mas tô com um pressentimento estranho. Manda um beijo pra Beta e diz que tá tudo bem e vai ficar melhor.

Um beijo e espero que a gente ainda possa fazer um churrasco no céu. Acho que a mãe vai gostar. O olho esquerdo está tremendo muito...

Fala pro Felipe ficar na boa. Ele tá com a gente e nós ainda temos muitas peles pro tempo descascar.

Máximo Lustosa

PS: Achei esta foto. Todo vez que vejo, o rio de mim se salga um pouco. Dez anos, mano. Tâmujunto.

28.7.08

Lá vou de novo... perdido de novo...




Mais uma vez, vou abrir este espaço para um desabafo. É que novamente vem aquela sensação de que estou fora da linha... mais uma vez, sou estrangeiro.

Há algumas semanas, li a crônica "Leon Tolstoi no Céu" , no blog de nome duvidoso - não que eu possa falar algo -, http://cativeiroamoroedomestico.blogspot.com/ , do meu amigo Mariel Reis, atualizado quase que semanalmente, e fiquei impressionado com o argumento do suposto autor avaliado, que, simplesmente, alega ter incorporado o autor de Ana Karênina e escrito um outro livro.

Veja bem, isto me parece charlatanice, mas cada um chama atenção para o seu texto do que jeito que dá. Eu, como cético, não tenho condições de julgar de fato isto tudo. Eu, ficaria quieto e deixaria que o mundo encontrasse o Guimarães Rosa nos meus textos, ou me achasse um imitador de segunda... mas, é bem natural que alguns "grandes" autores tenham pressa em serem reconhecidos novamente.

A crítica de Mariel prova o óbvio, o primeiro Tolstói era muito melhor e que o segundo ainda não encarnou mesmo.

Bem, até aí, tudo bem. Só que, ontem, no caderno Boa Chance do O Globo, tinha uma entrevista com... adivinha... vai tenta aí... pois é, tinha uma entrevista com Thomas Edison. Exatamente, o cara da lâmpada. E ele continua brilhantíssimo e ainda falou sobre o mercado moderno.

Uma vez, vi uma entrevista no Jô Soares e o entrevistado era um médium que... adivinha de novo... vai... você não está se esforçando... bem, o entrevistado andava acompanhado com todo mundo, Elvis, John Lennon, Paul Mc Cartney* etc.

Até aí, tudo bem. Agora, num caderno de emprego do, talvez, principal jornal do país. Sei lá, deve ser por isso que esta geração gosta de NX Zero.

Tudo bem, tudo bem. Ainda é melhor do Asa de Águia e seus genéricos... mas, dá pra ficar triste.

Aliás, vi o programa livre do Serginho - finalmente estou conquistando a tal sonhada insônia, agora só falta me dedicar à leitura nas madrugadas. Bem, entre o monte de tolices que querem parecer engraçadinhas que aquele piralho falou, teve algo como "como diz aquele ditado popular (e o Serginho assustado: que ditado?) de língua e de dedo, de mulher eu tenho medo".

Fala sério, eu perdi algum comprimido? A cerveja não está mais fazendo efeito.

Quer dizer que você está desempregado, abre o caderno de empregos e ler umas dicas do outro mundo?

***

Espero não precisar explicar que não tenho nada contra o espiritismo, o espiritualismo, ou a espiritualidade... e que simpatizo muito com os textos kardecistas.

***

Também espero não ter que escrever que sei que o Paul não morreu, ainda.

21.7.08

Intento de poesía 1




Déjame

Déjame escribirte los libros que tengo en mi. Son tuyos.
Déjame llevarte al cine.
Déjame caminar a tu lado en la playa, asegurar tu mano
Y jugar con tus perros.
Déjame mirarte.
Déjame creer en las cosas que ya creí.
Déjame contarte mis planes secretos para el futuro.
Déjame dejarte cambiarlos.
Déjame acercarme a ti.
Déjame ofrecer mis chistes infantiles para pueda verte sonriendo.
Déjame ofrecerte mis brazos,
Déjame anidarte – no lo puede ser malo eso.
Déjame aprenderte.

Mira, yo tengo un mar vivo.
Yo tengo mil historias.
Déjame regalártelas como un mimo.

!Enseñame!
Tengo algo para darte que tampoco lo sé por entero – pero, no puede ser malo.
Tiene aromas juveniles y vigor de los primeros años, tiene color de los poetas romanticistas y el fervor de una fe.

***

Não sei que espécie de crítico sou. Sei, porém, que tolero, com sobras, a pieguice quando vem disfarçada em outros idiomas, sobretudo, o derramado castelhano.

Espero que goste.

14.7.08

Ana Karênina e Jorge Luis Borges

Concluo o Ana Karênina de Tolstoi. Embora de fácil leitura, não posso dizer que foi sempre prazeroso e, a não ser pelas 750 páginas, não causou angústia e outros sentimentos afins.

Tive mesmo vontade de parar a leitura e voltar ao “Grande sertão: veredas” – que me dá tanto prazer, que reverbera tanto, que nunca o venci. Entretanto, uma conhecida de uma conhecida falou que a personagem que dá nome ao livro se jogaria debaixo do trem e, então, resolvi continuar. Uma cena com esta intensidade não pode ser ruim... mas, no caso, também não foi tão intensa assim.

Acredito, porém, que este livro já tenha feito muita gente chorar – aliás, os personagens masculinos se derretem fácil-fácil; até demais para um leitor de Borges, Nietzche, João Cabral de Melo Neto; achei-os, um tanto, afeminados. Porém hoje em dia, com as barbáries diárias, é muito difícil tanta delicadeza – até mesmo para sobreviver – mas, talvez, seja minha a deficiência.

Mesmo o desenrolar do drama que leva Anna Karénina às rodas do trem me parecem demais – notem que não falo de verossimilhança. Salva-se, creio, a crueza com que analisa as relações humanas, suas hipocrisias, seus acordos sobre o nada, enquanto se encaminha à estação. Parece haver uma contradição aqui, mas leiam o livro e me escrevem que, juro!, nos entenderemos.

O verdadeiro protagonista da história é o filosófico, logo confuso, Constantino Dmítrievitch Liêvin, que conclui o livro em paz com Deus e ciente de que ,independente desta paz, levará uma série de questões para o túmulo.

Se é possível um palpite aqui, e ciente de parte da biografia do Conde Tolstoi, é possível pensar que muito do que fosse Liêvin seria o Conde – mas, na verdade, todo personagem é um pouco o seu escritor; Liêvin talvez o fosse um pouco mais.

Permito-me afirmar que é uma literatura para mulheres – e, talvez, para mulheres daquele tempo.

Se você está com muito tempo sobrando, mas muito tempo mesmo, leia Borges, Guimarães, Camus, Sartre... mas, se não quiser, então vá à praia.

***


“Oitocentos mil livros e a noite”

Por outro lado, o pequeno “Jorge Luís Borges, Um ensaio autobiográfico” me encantou.

A princípio, a orelha me assustou. Lendo-a, pensei encontrar um Borges melancólico e fragilizado – a cegueira, a morte, Maria Kodama (permita-me o humor de mau gosto). Entretanto, as primeiras páginas me fizeram encontrar novamente o autor que norteio o 2º ciclo do grupo Conversando Literaturas, que eu, digamos, ministrei aos amigos.

Mais uma vez, encontrei sua análise fria como a lâmina de um punhal a respeito dos próprios primeiros textos – cujos livros, enquanto podia, comprava para queimá-los. Encontrei o que até então era uma hipótese de que aquela erudição toda, em alguns contos, era fantasia, invenção, farsa.

Ah, se eu tivesse lido este livro à época do Conversando, algumas passagens confirmariam as nossas elucubrações borgianas. E o mais irônico é que o que nos pareceu uma brincadeira do escritor levou diversos especialistas a buscar explicações e mesmo a desenvolver teses.

Ali está a mãe companheira e permanente, ali está Buenos Aires, a Literatura de língua inglesa, ali está Bioy Casares.

Ao término do pequeno livro de 158 páginas de letras grandes, percebi que não havia nada de piegas em Borges, muito pelo contrário, pelo menos nos textos, ele “caiu de pé”.

Sem paixão por Nietzche, ainda assim, “aos fortes, um brinde!”.

6.7.08

Mariel Reis e um comentário que gera um comentário

“São os ensaios para uma vida amorosa, sem percalços, intromissão de verdades incômodas, só um desejo de viver de bicho, de se multiplicar como manda o evangelho, brincar de esconde-esconde nas dobras da carne do outro, o rock era uma trilha sonora perfeita para os instintos – bom tempo – distintos da vida inteligente e sem gentileza que invadia corpos e saqueava-os. Perdi as contas de como a juventude pode ser morta, que às vezes a felicidade ali era um erro, por achar que estávamos desvirtuados, por temermos a morte – essa outra face do amor. Porque afinal os poetas querem-na – e só cantam dessa maneira AMOR/MORTE. A juventude deve aproveitar essa energia, porque é a ressurreição – fora dela não há salvação. Só tormento – porque não se sabe se há algo lá fora, uma promessa. Fora disso somos todos Adãos vagando fora do Éden.”

Mariel Reis


Porque estamos todos tentando o sucesso, estamos tentando a carne – e, cada vez, nos afastando dela com o seus pecados. Porque estamos toda dia tentando limpar-nos desta força “schopenhauriana” (desculpem) que late e morde num só piscar de olhos. Eu, cada vez mais, tenho saudades dos meus defeitos.

Vamos desvirando (desculpem) animais e virando funcionários e as loucuras e os discursos escorrem e, finalmente, quando nos amam, nos tornamos a engrenagem, o maquinário empobrecido, o catador de restos, o negociador de entressafras.

Graças a deus, eu sou ateu, ouço Belchior e tenho os amigos que me salvam as horas!

Um abraço.

“Meu bem, não pense em paz/ que deixa a alma antiga.”
“Eu quero é que este canto torto feito faca corte a carne de vocês.”

***

Hoje, eu não tou bem. Hoje, vou bater em alguém. Hoje, vou terminar mais um amor.

***

Como, nos seus rumos políticos, o autoritarismo já não anda de braçadeiras ou suásticas às claras, a humanidade absurda também adotou disfarces e novos colarinhos para as respectivas coleiras. Os esquemas burocráticos de falso paternalismo e servidão são estéreis, mas afanosa vaidade de hierarquias inteiras que superpõem andróides às voltas com obrigações e incumbências inúteis nos mostram hoje como viu longe a atividade crítica e criativa de homens em corpo inteiro como Franz Kafka (muitas vezes chamado “profeta do absurdo”) e Albert Camus - inclusive em suas obras posteriores, principalmente La peste (1947) e L’homme revolté (1951).

Mauro Gama, no prefácio de O mito de Sísifo, do site Ateus.

***
Deus escreve por linhas tortas, logo é também um escritor.

24.6.08

Baú do Max



Diante da abiose (ausência de vida – esperei mais de 20 anos para usar esta palavra; do tempo que para fazer um poema eu recorria ao dicionário e, enfim, ou o poema ficava cheio de palavras estranhas com a letra A, ou estranhas com a que calhasse) na minha cabeça: faltam assuntos, faltam turbulências, tudo está calmo (e do quê reclamo?), não me resta alternativa a não ser dialogar com as crônicas do mercado.

Há tempos, leio o Jabor, o Veríssimo, o João Ubaldo, o Gaspari, o Wolff, e até o Xexeo, entre outros. Sou mesmo capaz de identificar um texto apócrifo quando o recebo. Percebo, claramente, que não é o Jabor – alvo favorito destes grandes escritorezinhos da net; rapidamente percebo que avacalharam o Veríssimo e por aí afora. Então, não é de espantar que o texto de um ou outro fique “reverberando” no meu consciente (vazio, lembram?) e, apenas por uma questão de escrúpulo, não venha parar neste espaço de permissividade, com outras palavras. (Sei que está tudo perdido, mas um mínimo de ética, por favor.)

Entretanto, hoje, eu abdico. “Enquanto ela não chegar”, ou até que a vergonha suplante a minha necessidade de escrever, qualquer coisa que seja, todos os textos estão autorizados.


***

O texto do Jabor, de hoje, terça, 24/06/08, me fez lembrar meus tempos de magrelão tímido, incapaz de reconhecer a felicidade quando ela lhe cruzava as pernas, ou tirava a saia escolar à sua frente.

“Foi um tempo de aflição”, e, por que não dizer?, apelação. Pra piorar, eu ainda era poeta – se é que alguém com 13, 14 anos possa se intitular poeta se tiver juízo – coisa que hoje eu não faço mais. Tímido como uma porta, amei diversas vezes a mesma menina, durante três anos sem falar nada – sem falar nada literalmente, mas mandando milhares de sinais de fumaça.

Era um sofrimento. Sentava na cadeira atrás da musa e, ao lado do amigo Volpone, que, por sua vez, também estava enamorado da amiga à frente, ficava a fazer-lhe sinais e desenhar estratégias. Eram horas, nas cadeiras da Escola Municipal Vicente Licínio Cardoso (Obrigado, professor José Carlos! Obrigado professor Freire! Obrigado, professora Valéria!), cantando “toda vez que te olho, crio um romance, te persigo mudo todos os instantes”, puxando qualquer assunto, fazendo qualquer piada, pensando em textos perfeitos que seduziriam aquela mulher, a mais importante do mundo. Uma deusa intocável, minha Marília, minha Lídia, minha Ísis.

(Mundo louco! E, de repente, daqui a um ano, estarei ali de novo. Só que, agora, na frente dos alunos e, como num Encontro Marcado, me verei sentado naquela cadeira, ou na sala da diretora escrevendo, pela milésima vez, não devo conversar na sala de aula, não devo conversar na sala de aula...)

Ensaiava. Adivinha as possíveis respostas. Era um perfeito advogado da teoria.

“Se ela disser isso, eu respondo assim... é isso. Caramba, ela vai ficar impressionada! Mas, caso não fique, eu falo isso e isso também... é... aí... já era.”

Era um tempo em que as meninas se impressionavam com frases de efeito, com poesia. E você tinha que parecer inteligente realmente. E pra parecer era bom que fosse, nem que um pouco, caso contrário, a galera pegava. Até dava pra falar de Olavo Bilac, ou Camões, (eu os decorava) com algumas. Você podia cantar “Às vezes parecia / que era só acreditar / em tudo que achávamos tão certo...” e, pronto, um coral se fazia. Não tínhamos ouvido direito ainda o Caetano, o Chico, eu só conhecia o Belchior pelas piadas do Renato Aragão, eu não conhecia “quero amar você/ de todas as maneiras que eu puder viver você/.../ e eu nem preciso asas pra voar”. É a gente ainda não conhecia e pensava que “Você/ é algo assim/ é tudo pra mim/ é mais queu sonhava” era tudo o quê precisava ser dito.

Naquela época, as meninas já davam – viu, Jabor?. Mas, quase sempre, davam pro mesmo carinha boa pinta e um pouco mais velho. O pior que a gente tinha inveja, mas o cara era irmão. Era inteligente também. Então... fazer o quê? “Vai reclamar com Deus.”

A gente dançava pulando. A gente não sabia a história do rock. Éramos ignorantes-inteligentes e felizes. Não tínhamos coreografia. Tínhamos Titãs, tínhamos Paralamas, Legião, Plebe, Capital, Biquíni, Ojerizah, Finis Africae, Zero. “Sem caminhos pra seguir na incerteza de chegar/ quem decide por partir só pensa em procurar/ um futuro com alguém/ não importa o que passou/ já nem se lembra mais/ quer é recomeçar/.../ Tanta vida pra viver/ querendo se entregar/ tanta coisa por fazer/ pra se purificar/...

(Putz, isto ainda é bom!!)

Achávamos que o Renato era uma espécie de profeta.

E a pequena (esta é do tempo dos meus pais) vinha pular na nossa frente. E a gente cantava tudo com todos as gargantas da alma. Não era apenas uma música, dizia a verdade. “Eu quero levar uma vida moderninha”, “eu quis dizer/ você não quis escutar”, “eu sei/ jogos de amor são pra se jogar/ ah!, por favor, não vem explicar/ o que eu já sei/ e o que eu não/”, “exagerado, jogado ao teus pés/ eu sou mesmo exagerado”...

E, de repente, o dj – naquela época, eles não tinham nomes que a gente esquecia rápido, nem eram profissionais, aliás, naquela época, as festas não eram organizadas, eram arrumadas, cada um levava alguma coisa e, pronto, eis uma festa –, o dj parava o rock e botava uma música lenta.

Então, a menina, linda, com aqueles olhinhos, um sorriso branquinho, as mãozinhas pequenas protegidas pelo casaco de moleton, ela, parada à sua frente, olhando pra você como que dizendo “vamos dançar”... e você com aquela cara de “pôxa, será que ela quer dançar comigo?”... e, então, com sua calça jeans velha, o seu tênis surrado e uma camisa de botão e manga comprida, respirava fundo, tomava coragem e perguntava “a festa tá muito boa, né?”...

***

Ó, maldita insegurança!

***

Gostei da fórmula.

10.6.08

Anna Karênina e blábláblás



Na busca por uma possível cultura, e pra correr mais atrás de vento e encher o tempo, continuo a minha empreitada para conhecer realmente os clássicos – verdade que, hoje em dia, se eu for ler só os clássicos já precisarei de mais cinco encarnações. Mas, eu ia dizendo que, seguindo o conselho do Salgueirinho, voltei aos clássicos e fui a Tolstoi, mais especificamente, a Anna Karênina.

Salgueirinho sugeriu que encontraria a intensidade psicológica que procuro, e encontrei em Clarice Lispector e Guimarães Rosa, nos russos. E lá fui/vou eu.

Antes, porém, contudo, todavia,– me desculpem os catedráticos – passei pelas primeiras duzentas páginas de Marcel Proust e, entediado, por enquanto, desisti. O tradutor não só traduzia como explicava a obra. Então, um personagem que tinha 2 anos, estou sendo 'engraçadinho', nestas primeiras páginas, lembrem-se que a obra de Proust tem 1700, tinha um rodapé que explicava o que faria quando ficasse mais velho...

Ora bolas!, não que eu não consiga ver um filme porque me contaram o final (aliás, hoje, é cada vez mais fácil deduzir o final), mas assim já é demais...

Não vou nem entrar no mérito dos tempos modernos e uma obra de 1700 páginas... nem falar do tamanho desta vaidade... nem a estrutura, claramente, digamos, hummm, como dizer sem ser preconceituoso? Humm... assim, ó, é um tanto gay... sabe? Aquela coisa meio melindrosa... no sentido mais afetado... enfim... voltemos a Tolstoi.

Anna Karênina é um grande novelão e não falo isto por conta das mais de 700 páginas de tudo que se possa imaginar em enredo novelístico.

Não leiam este comentário como crítica. Lembrem que falo de uma obra do século XIX. Lembrem que este é um período de formação do Romantismo – e que, provavelmente, li, ouvi dizer e, agora, vejo parcialmente, esteja nos russos uma de suas melhores formatações.

É que tudo acaba ficando “mais do mesmo” porque foi pisado e repisado nas novelas globais e em vários romances modernos. Ou o contrário.

O pecado é que meu, claro! Agora, aos 50 anos, vou ler o que devia ter lido aos 15. Por isto, Borges estava certo. Este negócio de Literatura infantil é uma tolice. Podia ter lido Flaubert, ao invés de Sítio do Pica-pau Amarelo... Deu no que deu... (rs)

Tudo isso é porque leio quem fez primeiro depois e aí... bem, aí, o original parece a cópia.

Mas, Anna Karênina tem tudo. Traição, burguesia vazia, amor não correspondido, preocupações sociais – aliás, creio que Tolstoi aproveita bem seu livro para colocar algumas reflexões socialistas, da liberdade da mulher, da desigualdade, da timidez, dos projetos burgueses –, desperdício, arrogância, amor correspondido, mais traição, perdão, castigo etc. Enfim, nada novo, ou, melhor, ali está tudo novinho, ali, há duzentos e tantos anos.

Aliás, tipo de literatura (novela) para agradar as mulheres alfabetizadas da nobreza (de qualquer nação)...

O bom, óbvio, senão esta não seria uma obra eterna e Tolstoi não teria conquistado a imortalidade, é que estamos falando de um texto bem escrito que, apesar de não poder dizer que 750 páginas passem voando, escorrega pelos olhos e, e é pra isto que a arte existe, que emociona, cativa, envolve e conquista.

O escritor consegue ainda nos representar nas nossas fraquezas. Consegue adivinhar alguns dos nossos pensamentos mais particulares. Se você foi um jovem tímido, vai se ver no Liêvin. Se uma menina insegura e em busca, será a princesa Kitty. Se cresceu e tornou um simpático fanfarrão, parabéns príncipe Tchierbátski. Se envelheceu um pouco mais e manteve o humor inteligente e, por que não?, ferino, o velho príncipe e, por aí, vamos nos encontrando.

É, então, de aplaudir e concluir que a essência humana permanece inalterada em meios a computadores e pessoas buscando.


***

Mas, ainda faltam-me 300 páginas.


***

Ando numa preguiça medonha. Ou, sei lá, num “semgracismo pavorante” (perdoem os neologismos). Não sei, de repente, nada parece ter graça, nada parece ter importância suficiente para que eu me sente e escreva alguma crítica – exercício importantíssimo para quem tem pretensões nesta casa da mãe Joana chamada Arte.

E não foi por falta de exposição, não. Nos últimos dois meses, vi duas vezes o Othelo, de Shakspeare, com o Diogo Vilela no papel de Iago. Não, não me desagradou, mas... Vi “Chão de Estrelas”, uma peça no “sindicato de dança”... Assisti ao bom “Amelie Poulin”, ao interessante “Cheiro de Ralo”. Gostei realmente de “Era uma vez no oeste”, com Charles Bronson e Claudia Cardinale, mas...

Fui a Búzios, a Itaipava, fui em bares muito maneiros em São Paulo (um brinde ao chopp escuro do Casual; palmas para o jovem que destruía na guitarra), e mais não sei o quê, e simplesmente... não sei, não rolou... não me dignei a escrever uma crítica de nada e já não posso saber se era tudo realmente indigno de um pequeno blábláblá aqui... (ora, até o Stallone esteve neste intinerário!!).

Enfim, algo está acontecendo... tudo ficou cinza de repente, ou foi você que foi embora?

***

Que estou preguiçoso, eu mesmo o disse, entretanto, está pronto e à procura de ouvidos o meu primeiro monólogo “Cartas à procura de garrafas”.

Não será postado neste espaço, pelo menos a priori, por razões óbvias como insegurança e ciúmes... e porque penso-o apresentado a ouvidos de maneira que possa perceber-lhes os olhos e as vaias, se de vaias forem merecedores.

***

Na linha de produção deste ser preguiçoso, entra agora “Coletivo”, uma peça que trabalhará pequenos esquetes que acontecem nos ônibus, como, por exemplo, a crônica anterior.

A idéia é fazer uma peça fácil, de digestão rápida e que agrade a gregos e a gregos.

Os atenienses terão de esperar que as musas retornem (e me permitam, por favor, um só, um só bom poema) e o livro “Céu Baixo” volte ao centro dos movimentos.

***

Capitão Ócio, tô lendo. Daqui a pouco, comento.

16.5.08

Assaltos; em tempos de especialização: no ônibus.

07:20 – O ônibus é 572, que liga a Glória à Barra da Tijuca.

No primeiro ponto antes do Largo do Machado, sobem 2 rapazes e uma menina carregando uma maleta. Um dos rapazes é negro, usa terno. O outro usa óculos e tem uma leve deficiência na perna esquerda que o faz renguear. Estão bem arrumados e usam óculos a la matrix.

Com exceção do deficiente, pagam a passagem e passam na roleta. O de terno se encaminha à frente do ônibus, vira para os passageiros e começa a falar.

_Prezados, bom dia. Lamento incomodar o silêncio da sua viagem, mas isto é um assalto.

A menina retira uma pistola de dentro da maleta e aponta pra cima. O que ficara antes da roleta tira também uma arma, que estava sob a camisa bem cortada, e solicita que o motorista tenha calma e que continue o seu trajeto, agora, sem parar nos pontos.

Continua o palestrante.

_Peço aos senhores e senhoras que não se assustem. Não somos meros ladrões e este ato foi extremamente treinado. Como podem ver, a diversidade do nosso grupo atende a todos os pré-requisitos de inserção social e estamos apenas auxiliando na redistribuição de renda. Vocês têm e nós não.

_Por favor, não façam movimentos bruscos. Tenham certeza que não também somos ótimos atiradores. O X, por exemplo, é capaz de acerta uma maçã em movimento, a uma distância de 70 m.

Enquanto fala, anda pelo corredor e troca de lugar com a menina.

_Neste momento, solicito aos passageiros do lado da janela que passem seus pertences aos que estão no corredor. Por favor, retirem seus documentos, mas não tentem esconder nada de valor. Faremos uma amostragem, escolhendo alguns passageiros para serem revistados. Encontrar algo escondido será extremamente desagradável. Ajudem-nos estimulando os amigos a não fazerem nenhuma tolice.

Enquanto ele fala, a menina começa a gesticular, ensinando os movimentos corretos.

_Após o repasse, os passageiros devem colocar as mãos sobre a cabeceira da cadeira à frente. Os passageiros do corredor devem juntar suas coisas às recebidas e, quem estiver do lado esquerdo, com a mão direita, estendê-las para o corredor.

A menina representa a ação.

_A outra mão, deve ir também para a cabeceira do banco da frente. Os que estiverem do lado direito devem proceder do mesmo jeito, claro com as mãos trocadas.

_Pelo a gentileza de se apressarem, pois temos que descer na entrada do túnel.

_Enquanto fazem isto, gostaria de agradecer a compreensão e informar que sou pós-graduado pelo USP, que o X é mestre em Psicologia do Comportamento Humano em Situações de Tensão, tendo inclusive lecionado fora do país. A bela menina que recolhe seus pertences é aluna da PUC e está estagiando conosco.

Uma senhora começa a chorar, a menina aponta-lhe a arma. Ela pára. O do terno dirigisse a um cidadão.

_O senhor poderia levantar.

O senhor meio assustado levantasse. A menina se aproxima. O X observa os movimentos com o cão da pistola puxado.

_Obrigado, senhor. Tenha a bondade de sentar novamente.

Vira-se para um rapaz e faz um movimento com a cabeça. O rapaz começa a chorar. Levanta-se. A menina coloca a mão no seu bolso, encontro o celular. A menina atira na perna do garoto. Quando os passageiros se alvoroçam, o motorista ameaça parar o ônibus, mas ela aponta a arma e tudo se acalma.

_Prezados, lamentamos este ato bárbaro e desagradável. O apego humano às coisas materiais tem feito com se perca a noção das coisas que têm realmente valor.

_Sortearemos mais um passageiro, portanto, solicito que se alguém tiver escondendo algo, que não faça isso. Hoje, pode não ser seu dia de sorte.

As pessoas retiram cordões, brincos, entregam carteiras.

_Não, senhor. Carteiras não. É da Victor Hugo? Então, não precisa. Só o dinheiro.

_Prezados, espero que a vida lhes entregue 10 vezes mais do que perderam neste momento. E que, da catástrofe que possa parecer, tirem algum aprendizado. Agradeço a colaboração imediata e a compreensão que em breve terão conosco.

Enquanto falava, a menina fazia sinal para o motorista encostar. Era a entrada do Rebouças. Havia uma cabine da polícia a uns cinqüenta metros.

_Desejo que este contratempo não deixe grandes traumas e que possam seguir a viagem e a vida sem novos entreveros.

O motorista abriu a porta enquanto X passava pra frente. A menina desceu. O do terno desceu falando alto.

_Obrigado, motorista. Desculpe o mau jeito.

X desceu. Ficou encarando o motorista até que este fechou a porta e sair.

Enquanto isso, o do terno e a menina caminhavam tranqüilamente no sentido contrário.

_Poxa, você não sabe o ônibus que a gente tinha que pegar. E aqui é super-perigoso...

12.5.08

Aparelho

Estamos aqui reunidos, em nome de qualquer alegria, para celebrar qualquer alegria que se pareça com algo vivido no, sei agora, impossível bar Feio.

Tal qual naquele antigo paraíso – hoje, olhado com desdém, com desfeita, com tédio –, buscamos o mar de gargalhadas que impeçam a desordenada torrente de incertezas que pululam a mente ocupada em correr atrás de vento.

Outrora, éramos “bebuns” e, em verdade vos digo, daqui, não parecem piores. A bem da verdade, não eram risos piores. Muito pelo contrário...

Aqui, nos refugiamos, depois de dolorosas negociações, para o debate mais livre das grandes questões triviais. Sim, aqui, tal qual nos bares Feios que lotavam o mundo antigamente, se busca um flerte com a liberdade – e suas horas contatadas; e não foi/é sempre assim?

Aqui, rimos aos cântaros cheios de águas não vertidas. Somos negociadores, somos felizes à revelia. Ainda que, hoje, qualquer projeto já nasça fadado – perdoem o exagero. Sua luminosidade perpetua o tempo deste encontro. Nasce, brilha e morre no decorrer deste brinde e na entrega da conta pelo anfitrião insalubre – este pajé de gravatinha borboleta.

O desespero é tamanho que a risada – ainda que inteligente – é muita mais gratuita. É desesperada. Queremos falar de eternidades – mas estamos cada vez mais convictos da finitude.

No aparelho, estão os esquerdistas que conhecem o bom vinho francês, esgrimam facilmente a etiqueta das altas rodas, modelam sua força perante a força.

Feliz o mundo que conta com 99% de homens comedidos, de esquecíveis – que a terra leve seja; permita-me este cacófato, perdido amigo. Que tenhamos árvores fortes.

Veja que a poesia deste novo bar é mais sofisticada. E mais pobre. Que sua perspectiva é de metais. E não tem mais os olhos do açum preto. Na casa dos homens maduros o viço assusta, o ímpeto é rejeitado; só se abre os braços para a boa temperança da idade... enfim, não podemos ser jovens pra sempre, sob o risco de parecermos ridículos.

***

E na mesa do bar, o bêbado grita:
_ Eu, por mim, conto minhas desditas. Amo sem saber amar – e perambulo – e sem saber-me amado.
O meu coração, que não bate mais, ou pior, bate em ritmo de samba antigo, o meu coração não é meu.
Anda perdido nas ruas da Tijuca ao Flamengo. E aqui, na Lapa, em meio a tanta alegria, empurra a tristeza garganta adentro.
O meu coração é dado a resmungos – escritos nas paredes dos copos deste novo bar.
Meu coração não é meu. É teu.
Onde estás?
Meu coração não é meu, mas dizei uma palavra e serei salvo.
Amém.

8.4.08

Tentativa de poesia 14,245

ou "Criando deus"

Estamos fazendo o impossível, apenas seguindo,
Estamos inventando o milagre, somente continuando,
Só com o abrir dos olhos, estamos superando o absurdo.

Na verdade, todo dia, caminhamos sobre águas, desfazemos tempestades,
Todo dia, acendemos uma luz imperecível dentro de uma flor perene.

Apenas amanhecendo.

Apenas caminhando, escrevemos a história Divina,
Somente levantando-nos, levamos o mundo – e, se sorrirmos, fazemos
Uma lógica desfazendo o enigma.

Apenas, simplesmente tentando, cativamos o sentido imarcescível deste seguir.

Apenas com o irmos, construímos o caminho...

e Deus.

***

Cheio de adeus, é verdade.

***

Um pouco de meiguice para apascentar o caminho, a coisa nenhuma. Por favor, aceitem um pouco de água, ou algo assim.

26.3.08

Cartas desendereçadas




Amiga, você continua linda e, para alguém que não a conheça, é impossível adivinhar a quantidade de remédios que toma. Como é uma mulher bem resolvida, e com a mente equilibrada, só pode ser uma piada do destino pra destituir o axioma “mens sana in corpore sano”.


Sendo assim, apesar de João Cabral, prefiro uma cerveja ao sol da aspirina.


Sei que, no fundo, tudo é uma questão de escolher a multinacional: eu, com a AMBEV; você, com a Pfizer, a Merck Sharp Dohme e tantas outras. O importante nesta comédia humana é que somos, apesar de alguns acharem que não, felizes, na medida do possível, do copo e do comprimido. E também da centena de arte-terapias ocupacionais desenvolvidas para preencher o intervalo entre um copo e um comprimido.


Além disso, parafraseando o Nelson Rodrigues, toda a totalidade é burra, inclusive a festiva.


***


Lembro com uma gostosa nostalgia que a sua felicidade não conseguia entender o meu assombro em relação à plenitude da sua satisfação com o “estar no mundo” e, assim, nossas discussões mais pareciam conversas de doido, cada um seguindo para um lado e tentando manter as mãos dadas. Não falo de alienação. Falo de intoxicação mínima, ou, controlada.


Wood Allen teria nos adorado.


Também na questão gosto musical e programa para se divertir é impossível encontrar dois seres mais díspares na face da terra: você, energizada pelo batuque do Monobloco, e eu, achando que ele deveria sustentar os descendentes do Tim Maia, inclusive os que ainda chegarão a este planeta. Você se acabando na techno e eu achando que houve algum problema com o equipamento. Você aplaudindo a Zélia Duncan e eu querendo que ela parasse de regravar a Legião Urbana.


Não estou dizendo com isto que não reconhecesse valor, ou não gostasse e tivesse em sua coleção a ‘boa música’, mas, para se divertir era necessário se desligar. Quanto a mim, justamente o contrário.


***


E a expectativa de vida? Caramba!!! Outra coisa que não se resolvia jamais. Enquanto você observava a ciência na expectativa de chegar aos 200 anos, eu já ia dizendo adeus e considerava viver demais um desrespeito, além de quê, ficar velho é o troço mais antigo que já se viu.


É bem provável que esta minha atitude tenha influências nas minhas tendências, digamos, um tanto anárquicas, de não querer, no final da vida, me associar à indústria farmacêutica, nem abarrotar minha agenda com telefones de médicos, por sinal, nestas ocasiões, amigos íntimos – até demais – com seus diversos exames e ‘toques’.


Enquanto você pensava na festa, no cosmopolitismo de uma alimentação balanceada, eu pensava numa ilha e num peixe frito acompanhado do mar. E o mar que para você era os trinta minutos do pôr-do-sol, para mim, era o aconchego permanente, lugar da melhor música, do melhor lazer, da melhor festa, do maior espetáculo.


E, claro, nunca bati palmas para o pôr-do-sol – rs.


Enquanto você estudava a coleção primavera-verão e comprava as revistas das últimas tendências de uns seiláquantosestilistasquetodomundoconhece, eu escolhia qual a camisa azul clara, bege, e qual o tênis mais discreto que poderia colocar.


***


Bem, agora que estamos tão distantes (?), fico com um riso satisfeito no rosto, um riso feito por esta bela saudade e a satisfação de termos discordado em tantas coisas desimportantes e rido de todas elas – a única concordância fundamental.


Um grande beijo.


Máximo

17.3.08

A Utopia de Thomas Morus



Terminei a leitura do famoso livro deste inglês, socialista, nascido na Londres de 1478, e decapitado aí mesmo, em 1535.

Este cidadão era amigo de Erasmo de Roterdão, autor de “O elogio da Loucura”, logo, não poderia terminar em coisa boa. Um inimigo da corte, nos tempos da corte, mesmo sendo rico, não terá vida... ...fácil.

A vida moderna já ensinou, infelizmente, ou não, que é prudente rir das piadas do rei, ainda que seja enquanto se afia o punhal, enquanto se prepara a cicuta.

O livro de Thomas Moore, forma latinizada, é, mais uma vez sob o olhar dinâmico, informatizado, impessoal e cheio de efeitos especiais das lentes dos modernos quadrinhos do capitalismo individualista, um enfado, uma viagem que, digamos, beira o romantismo.

Há quem afirme ser o Cristo o primeiro dos comunistas da humanidade – claro, não discutamos a questão de "a César o que é de César", nem o desconhecimento de Sidartha Gautama e de Platão, embora, cabe lembrar, que, neste último caso, a igualdade grega era desigual, enfim –; o que importa é que não recordo de nenhuma construção anterior que tentasse “documentar” um pensamento comunista, ou, – tudo bem, tudo bem, como esta palavra está ligada demais à Alemanha hitlerista, usemos ‘socialista’, que também está cheia de buracos feitos à bala, mas que, parece, não encontrou seu lugar no subconsciente coletivo – intelectualizado, ou não.

Moore, assim como Erasmo, é um denunciador e, embora, como já disse, o texto se alongue em buracos que, hoje, “esvaziados”, até por desconhecermos seus caminhos, oferece excelentes partes para uma reflexão muito interessante de nossa sociedade, justificando, desta forma, a imperecividade do autor e do texto.

Tais como:

“Quando me entrego a esses pensamentos, faço inteira justiça a Platão e não me admiro que ele tenha desdenhado legislar para os povos que não aceitam a comunidade dos bens. Esse grande gênio previra facilmente que o único meio de organizar a felicidade pública, fora a aplicação do princípio da igualdade. Ora, a igualdade é, creio, impossível num Estado em que a posse é particular e absoluta; porque cada um se apóia em diversos títulos e direitos para atrair para si tudo quanto possa; e a riqueza nacional, por maior que seja, acaba por cair nas mãos de um reduzido número de indivíduos, que deixam aos outros apenas a indigência e a miséria.”

Ou, em tempos de “Fashions”:

“Os utopianos classificam nessa espécie de prazeres bastardos, a vaidade daqueles de que já falei, que se crêem melhores porque usam uma roupa mais bonita. A vaidade desses tolos é duplamente ridícula.”

“Em primeiro lugar, consideram suas roupas acima de suas pessoas; pois, quanto ao que é de uso, em que, vos pergunto, uma lã mais fina prevalece sobre uma lã mais grossa? Entretanto, os insensatos, como se se distinguissem da multidão pela excelência de sua natureza, e não pela loucura de seu comportamento, erguem orgulhosamente a cabeça, imaginando valer um grande preço. Exigem, em virtude da rica elegância de suas vestes, honras que não ousariam esperar com um traje simples e comum; mostram-se indignados quando se olha a sua roupa com um olha de indiferença.”

Ou, em tempos de exarcebação da violência:

“Não é mais fatigante do que agradável ouvir cães ladrarem e ganirem? Em que é mais divertido ver correr um cão atrás de uma lebre do que vê-lo atrás de outro cão? Entretanto, se é a corrida que faz o prazer, a corrida existe nos dois casos. Mas não é antes a expectativa da morte, ou a espera da carniceria o que apaixonam os homens pela caça? E como não abrir mão à piedade, como não ter horror a esta matança, em que o cão forte, cruel e audaz, dilacera a lebre fraca, tímida e fugitiva?”

E, o que mais me interessou:

“Dir-se-á talvez: Seis horas de trabalho por dia não são suficientes para as necessidade do consumo público, e a Utopia deve ser um país miserável.”

“Mas não é este realmente o caso. Ao contrário, as seis horas de trabalho produzem abundamente para todas as necessidades e comodidades da vida, e ainda um supérfluo bem superior às exigências do consumo.”

“Compreendereis facilmente se refletirdes no grande número de pessoas ociosas existentes nas outras nações. Antes de tudo, são essas quase todas as mulheres, que em si já constituem a metade da população, e a maioria dos homens, ali onde as mulheres trabalham. Em seguida, esta imensa multidão de padres e religiosos vagabundos. Somai ainda todos esses ricos proprietários vulgarmente chamados nobres e senhores; acrescentai também as nuvens de lacaios e outro tanto de malandros de libré; e o dilúvio de mendigos robustos e válidos que escondem sua preguiça sob o disfarce de enfermidades. E achareis, em resumo, que o número dos que, por seu trabalho, provêm ao gênero humano de todas as necessidades é bem menor do que imaginais.”

Considerai também como são poucos aqueles que a trabalhar estão empregados em coisas verdadeiramente necessárias .(E A PESQUISAR VIRGULAS E TRÊS PONTOS.) Porque, neste século de dinheiro, onde o dinheiro é o deus e a medida universal, grande é o número das artes frívolas e vãs que se exercem unicamente a serviço do luxo e do desregramento. (E POR QUE NÃO DIZER, DE SI MESMAS.) Mas se a massa atual dos trabalhadores estivesse repartida pelas diversas profissões úteis, de maneira a produzir mesmo com abundância tudo o que exige o consumo, o preço da mão de obra baixaria a um ponto que o operário não poderia viver de seu salário.”

“Ora, o que afirmo aqui, na Utopia está provado pelos fatos. Em toda a extensão de uma cidade utopiana, inclusive seu território, não mais quinhentos indivíduos, compreendidos os homens e mulheres com idade e força de trabalhar, existem isentos por lei. Neste número estão sifograntes; mas mesmo esses magistrados trabalham como os outros cidadãos a fim de estimulá-los pelo exemplo. Este privilégio se estende também aos jovens que o povo destina às ciências e à artes, por recomendação dos padres e conforme os sufrágios secretos dos sifograntes.”

E para terminar:

“Praza a Deus que isto aconteça algum dia!”

“Porque, se de um lado não posso concordar com tudo o que disse este homem, aliás, incontestavelmente muito sábio e muito hábil nos negócios humanos, de outro llado confesso sem dificuldade que há entre os utopianos uma quantidade de coisas que aspiro ver estabelecidas em nossas cidades."

“Aspiro, mais do que espero”


***

Eu também.

***

As marcacões em negrito, bem como os comentários em maiúsculas, são meus, claro.

8.3.08

O cearense viu: Rambo IV



Uma conhecida disse tudo: “Rambo? Rambo já passou. Acabou.” E é isso mesmo. O filme não é ruim, mas é... assim, só mais um filme. Nada demais. Talvez, um berço para os saudosistas... Sei lá. Vale a pena ver? Vale. Você vai lembrar deste filme daqui a duas horas? Não.

Claro que os fãs do Stallone gostamos de vê-lo em ação de novo, aos 61 anos, grande pra caramba, durão e gente boa, grunhindo algumas frases de efeitos entre uma flechada aqui e uma cabeça explodindo ali. Mas, é isso.

Aliás, não que eu seja muito sensível, afinal moro em frente ao morro do macaco, em Vila Isabel, mas este filme é o mais violento da série. É tiro na cabeça de homem, mulher. Um general pedófilo. É estupro coletivo. É pedaço de braço, perna. É cabeça explodindo, de novo. É criança sendo arrancada da mãe e jogada no fogo – isso me assustou. Enfim, muito sangue e mais sangue e mais sangue. Ou seja, a bestialidade que só a raça humana é capaz de desenvolver seja na “arte”, seja na vida real.

O detalhe é que o Rambo deste filme quase resolve tudo no braço. Praticamente não carrega armamento, a não ser uma pistola.

A parte estranha é a descrença do soldado com relação ao mundo e sua vidinha, lá no meio do nada, pescando peixes e dando aos monges, caçando cobras e tendo pesadelos com os outros Rambos.

Já encheu também o efeito especial que transforma tudo em desenho animado. As cenas dos tiros que arrastam os corpos são de uma tolice inexplicável até para um filme deste tipo.

No final, ele voltando pra casa do pai é algo que dá aquele toque politicamente correto e piegas.

Enfim, o cearense viu, mas você pode esperar a Tela Quente.

***

Não que eu esteja reclamando, mas está rolando uma festa PLOC nos Estados Unidos? É Rocky, Rambo, Duro de Matar, Thundercats...

Vão acabar ressuscitando o Van Damme – que é uma espécie de Cigano Igor do cinema internacional – e o Steve Segal.

Não leva a mal, não, mas ninguém precisa de um outro dragão... tenha ele a cor que tiver.

***

As avaliações que coloco aqui caem por terra se lembrarmos de que todos estes filmes não têm pretensão de ser cult, mas de agradar ao grande público e arrecadar, arrecadar e arrecadar, ou, como diria o Capitão Ócio, ser um blockbuster.

26.2.08

O cearense viu: "Senhores do crime"




Então, cá estou eu de novo. Discordando. E não é de propósito, não quero parecer do contra, o chato ou coisa que o valha. Talvez seja a idade, mas, como diria o povo brasileiro, “eu quero é bater palma”.

Mas, não deu. O bonequinho de O Globo batendo palmas e em pé e as três estrelas do JB são demais. Se eu soubesse desenhar, faria um bonequinho sentado olhando o saco de pipoca.

O comentário de O Globo é esclarecedor “David Cronenberg (o diretor) permanece fiel à sua gramática sensorial e visceral”.

Então é isso. Eu não sei qual é a gramática sensorial e visceral de Cronenberg – vou falar assim pra dar um ar de intimidade. Mas, achei este filme meio mais ou menos. Talvez, seja visceral pelo pescoço da primeira cena...

(Intervalo. Internet, Geogle, “David Cronenber”... http://pt.wikipedia.org/wiki/David_Cronenberg humm.. . ele fez isto... isto.. e isto... ah, tá. Não ajudou muito não. Informação instantânea. Tô na mesma. Fim do intervalo.)

Tirando a primeira cena, estranha, mas chocante – o resultado foi o cinema soltar uma grande gargalhada – e a luta dentro da sauna –muito boa por sinal –, não há mais nada. Qualquer um, digo, quase todo mundo consegue perceber que há algo de errado com o motorista do filme (que passa o tempo todo dizendo que é apenas um motorista) e, um pouco mais pra frente, já se sabe que ele é o mocinho e, provavelmente, um policial infiltrado.

Também pode tirar a conclusão óbvia quando o velhinho simpático e estuprador (taí uma mistura interessante no filme) pergunta se os “caçadores” conhecem seu filho e promove o motorista-policial-infiltrado a capitão.

A parte mais interessante do filme é o diário da menina que foge da sua cidade natal (um inferno) em busca de uma vida melhor (como cantora) porque um amigo lhe disse que poderia ajudá-la. O texto é forte – é o fio condutor do filme – e lembra o “Para sempre Lylia”, que, este sim, causou um mal-estar e, infelizmente, é inesquecível.

Resumo da ópera: não convenceu. Fica como um filme que tenta ser pesado.

20.2.08

Tentativa de Poesia nº 14

Pedalo na roda solta do sol.
Minha letra, como um astro cadente, acende e
Perambula no sol branco da folha branca.
Perambula em branco e, sem nada,
Nada acata, nada oferece,
Em nada crê e nada guarda,
Só um som de nada que busca
Um nada sonífero e quieto.

Rateio na folha branca
Os rasgos vagos de mil rompantes
Que este rio desatento mingua,
Que esta solidão solar devora
Em nada, e em nada crê, e nada aguarda
Só um som de água que busca
Uma ilha sonífera e quieta.

Até que a água vaga acalme o som
E a calma.
Até que a água calma ofereça a cama
Perpétua dos mil rompantes
E seque o som destes olhos pétreos e em branco
E torne o sol em pedra, em água, e em menos que água,
Enfim, em nada.

18.2.08

O autor de “O estrangeiro”




Após uma árdua luta, termino a leitura “O mito de Sísifo” do filósofo Albert Camus. Com meus poucos neurônios extenuados, depois de Schopenhauer, Nietzsche, concluo o caminho da, digamos, tríade da “filosofia do absurdo”.

(Não, não se trata de um livro ruim. Um livro ruim ou se lê em quinze minutos, ou não se lê. Já os livros excepcionais embaralham a mente do leitor a cada frase e o obrigam a retornar diversas vezes pelo mesmo caminho.)

Entro neste mundo, sabendo que já o pressentia e o validava, ciente de que a minha literatura deverá caminhar para o seu testemunho, embora, saiba que é impossível, pelo menos numa análise primária, ser “lógico até o fim”.

Ganhei, além de um curso de filosofia, aqui entendida como o desenvolvimento de um pensamento paradigmático, nunca conclusivo, um curso de arte e de leitura da obra de Kafka.

O mito grego de Sísifo é tema comum deste blog, pois o personagem, que, no inferno de Hades, empurra uma pedra morro acima e, que atingido o cimo, a vê rolar morro abaixo, é a alegoria mais perfeita, na minha opinião, para esta balbúrdia a que chamamos humanidade, e sua estrada, a que chamamos vida. Sem sentido começa e sem sentido termina. Apenas o meio é o campo de deleite e deve ser palco de festa, ainda que, olhando no distanciamento de quem está sempre se finalizando, a desventura e a aventura tenham o mesmo sentido – já, aqui, um primeiro obstáculo para ser um ser absurdo plenamente.

Diante da inevitabilidade de fugir do seu castigo, Sísifo, supõe Camus, depois de muito pesar, livra-se do fardo, na liberdade de sua mente, ao invalidar seu sofrimento. A fórmula seria mais ou menos esta: se for esta a missão que nos cabe, e ela é sem sentido, ou pelo menos, o seu sentido me transcende, o que dá no mesmo, sigamo-la e façamos isto da melhor forma possível para nós. No caso do Sísifo de Camus, ele sabe que não tem saída, que não há paraíso no final de sua história, então, no intervalo em que vê a pedra rolando morro abaixo, e começa sua descida para reiniciar sua tarefa, ganha o tempo para a reflexão que é assim ainda um gozar em parte do seu suplício. Este gozar, embora pareça ralo, é o gozo que faz com que Sísifo supere a condenação dos deuses. Este gozo, ainda que rápido, é o fogo que o homem ainda rouba dos reinos celestes.

Não preciso dizer que é um pensamento plenamente cético – inclusive colocando em xeque constantemente a si mesmo – e valeria umas quinhentas fogueiras em outros belos tempos.

Transcreveria aqui dezenas de partes que me levaram a profundas reflexões, entretanto, isto seria o mesmo que reescrevê-lo quase que inteiro. Este livro está, porém, disponível em vários sites e, se você estiver forte o suficiente, aconselho a visitá-lo.

Para concluir, transcrevo aquilo que creio, numa rápida mirada, é uma síntese do que procuro – embora, eu procure muitas coisas, e coisa nenhuma – e fechará o monólogo "Cartas à procura de garrafas", cuja primeira parte expus aqui.

“Tudo o que posso dizer é que de fato isso excede a minha medida. Se não extraio daí uma negação, pelo menos não quero construir nada em cima do incompreensível. Quero saber se posso viver com o que sei com isso apenas. Ainda me é dito que a inteligência, nesse caso, deve sacrificar seu orgulho e a razão deve se iclinar. Mas se reconheço os limites da razão, não chego ao ponto de negá-la, reconhecendo seus poderes relativos. Quero somente me manter nesse caminho médio em que a inteligência pode permanecer clara.”

***

Meu primeiro contato com Camus foi através do livro “O estrangeiro”. Diria que, em termos literários, é um livro estranho - e isto não é negativo aqui. Não causa os reboliços que a literatura guimaraniana, ou borgiana, provocam, mas leva a um mal-estar, hummmm, um deslocamento intragável para os iniciantes.

Meursault, o protagonista, é condenado por ter assassinado um árabe. Entre as provas contra o protagonista, a acusação diz até que ele não chorou no enterro da própria mãe e que, depois, foi ao cinema com a namorada e, à noite, fizeram amor.

O protagonista em momento algum busca defender-se (sintoma do personagem absurdo) e nem a solicitação da namorada, ou dos demais, levam-no a mover uma palha – e seria necessário somente mover uma palha – a fim de provar o que, a priori, ele não precisaria provar.

Assim como o Bartleby, de Melville, também o Meursault, de Camus, prefere não fazê-lo. É a elevação máxima da indiferença.

Se nada vale a pena, então por que fazê-lo? Eis a questão.

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Em conversa animada com o meu amigo Mariel, há alguns milênios, ele dizia:

"A arte é este personagem - o de Melville -, ela prefere não fazer. Prefere não cumprir ordens, prefere não fazer acordo."

***

O discurso absurdo põe viver ou morrer na mesma moeda. É “um tanto faz”, ou o tradicional “está tudo bem” de Dostoievisk para qualquer coisa que a vida.

13.2.08

"O poderoso chefão" e a peça "Entropia"



Se o Coppola de “Apocalipse Now” me pareceu megalomaníaco e até fora do eixo, o de “O poderoso chefão” é a perfeição que espero. A seqüência do batizado, ou da cabeça de cavalo deixada sobre os lençóis do Cineasta que recusa entregar um papel a um afilhado do Poderoso Chefão já valem o filme.

Claro que Coppola pode ser perdoado (rs) porque ainda é o grande pai de "Platoon" e "Além da Linha Vermelha".



Além disso, este filme, cuja coleção freqüenta minha estante, é a explicação inquestionável de como alguém se torna imortal com uma atuação. O que é o Marlon Brando como chefe da família Corleone - e aquela dificuldade pra falar. E a atuação impecável do jovem e desconhecido Al Pacino – aliás, os trejeitos de Al Pacino poderão ser encontrados em vários de seus outros personagens e creio serem os mesmos que lhe renderam o Oscar com “O perfume de mulher”. O olhar distante, ótimo para um cego, como quem não está prestando atenção e o fechamento com a mentira para a esposa transformam o ator é um blefador. Seria um defeito, mas...



Aliás, é “estranho” – só achei esta expressão – encontrar a esposa de Rock Balboa (Talia Coleone) apanhando de novo. E a mesma cara de coitada.

O cearense viu e também bate palmas.

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Entropia

R$ 5 no Centro Cultural do Banco do Brasil.

Fui levado pelo título, que achei ser algo que busca o centro, quase que como um movimento centrípeto. Não foi nada disso que encontrei – inclusive, o Aurélio diz justamente o contrário. Talvez, tenha sido uma aproximação filosófica.

Bem, a proposta do grupo é muito válida: levar um texto reflexivo para o palco e fazê-lo construir, através das sete vozes dos atores, uma cidade perfeita para os outros. Claro que estas questões de "cidade perfeita" e de "os outros" já criam uma base para qualquer reflexão. E ela se dá efetivamente.

Entretanto, creio que o resultado é uma macarronada que se repete até o cansaço. A pretensão é boa, mas o resultado fica aquém.

Creio que faltou fôlego ao escritor para fugir da armadilha rocambolesca e fácil. Ainda assim, é muito bom encontrar este intenção e saber que alguns autores ainda pretendem desafiar o público e convidá-lo a pensar - e, talvez melhor, desafiar a si mesmo.

É algo mais que um quadro em branco, mas é isto também.

22.1.08

O cearense também viu: Eu sou a lenda e Meu nome não é Johnny




Eu sou a lenda

Pois é, tempo sobrando, uma vontade de ficar andando pelo mundo (mil coisas pra fazer e nenhuma vontade a não ser ir ao cinema).

Vi o novo filme do Will Smith e acho que o nome poderia ser justamente este: O novo filme do Will Smith. Filme estranho, com cortes esquisitos e, claro, seres humanos bestializados que parecem, surpresa!, inimigos de quadrinhos.

(Às vezes, eu fico com pena dos quadrinhos e dos romances. E daquela geração que os imortalizou. Mas...)

Isto resume o filme. Aliás, marca também (eu não lembro de outro depois do ataque terrorista) o retorno do cinema americano à paranóia de destruir Nova Iorque – não que eu esteja reclamando – e o mundo. Desta vez, menos mal, a cidade fica inteira e sobra uma brasileira e um moleque.

Freud explica.

Dá pra ver sem peso de consciência.

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Meu nome não é Johnny

Seguindo a promessa de ano novo, lá vou eu ao cinema de novo. Um filme por semana, um livro por mês e, pelo menos, um clássico de três em três meses. Vamos ver.

Bem, no telão está o Selton Mello, numa boa atuação. Aliás, minha avaliação para atuação é totalmente sem embasamento. A única coisa que posso dizer para validar alguma capacitação é que já vi o Lima Duarte, o Paulo Autran, o Oscar Prado, a Fernanda Montenegro e a Júlia Lemmertz atuarem. Desta forma, ainda correndo o risco de ter perdido algum aspecto da interpretação, creio que o elenco faz bem o seu papel. Sem destaque.

Quanto ao filme, é um bom filme. A história agrada, o roteiro é simpático – tanto que existem algumas cenas engraçadas, como a dos policiais civis que achacam o protagonista, ou a cena da briga entre os africanos e os traficantes, com o protagonista de intérprete no meio.

Claro que entendemos a função do humor em filmes como Cidade de Deus, Meu nome não é Johnny: é tornar o filme palatável. Aliás, avaliando bem a história que contaram, até que o jovem João não tinha do que se recuperar. Sua vida foi uma maravilha até quando esteve preso, se comparada a muitas vidas por aí.

Então, enquanto ficção, Meu nome não é Johnny está bem resolvido como um bom filme, enquanto lição de vida, como faz crer a juíza que comenta no final (o jovem João é a prova viva da capacidade de recuperação do ser humano), é um deboche nacional.

Dá pra ver na boa.

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Aliás, saí do cinema e me deparei com uma garotada de 15, 16 ou mais, acompanhada, creio dos pais, chorando.

A menos que sejam parentes do João, ou estejam no mesmo caminho, só posso acreditar que teremos uma nação mais inocente no futuro.

E eu quase me acabo de rir com isto e saio puto do cinema. Me desculpem.

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Queria entender por que todo filme de roqueiro drogado, a personagem ou parece com o Paulo Ricardo, ou com o Cazuza.

16.1.08

O amor nos tempos do cólera



Da série "o cearense também viu".

A idéia era ver dois filmes nesta segunda, dia 14 de janeiro, e aproveitar a promoção, mas as poltronas do CineArt Uff me venceram.

Por outro lado, o filme, adaptado na obra homônima do escritor de Cem Anos de Solidão, já me encheu de palavras demais para que eu pudesse somar outro enredo sem perder algo dos dois – e há, aqui, uma sabedoria maior do que poderia imaginar enquanto escrevo.

Ver a película de Mike Newell, e ouvi-la, infelizmente em inglês – claro, a produção é americana –, nestes tempos de amor versátil, prático e monetário (?), é como confrontar um quadro de Dalí, achá-lo interessante, belo e... inconcebível.

O filme, provavelmente inferior ao livro – não o li, portanto, arrisco-me – arranca à platéia uma suave salva de palmas. Talvez, porque, embora cientes do pragmatismo do mundo moderno, também estamos cientes de que existem outras coisas, e, para os que não estão brutalmente enferrujados, uma esperança se espreguiçou nos peitos, sorriu uma bela lembrança e uma boa saudade.

Um bom filme se avaliarmos a história. Um bom filme se avaliarmos a voz triste da “cantante” da miúda trilha sonora. Tente a fotografia e... sei não...

A maquiagem também não sei... o envelhecimento de Fermina, às vezes, era equivocado e quase sempre não convencia. Mas, bem, este já é assunto para o pessoal especializado.

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Sem ufanismos, é impressionante a dona Fernanda Montenegro. Impressionante principalmente porque uma vez a vi no Salão de Humor, no Centro Cultural dos Correios, e ela era uma bela avozinha, pequena e frágil. Porém, atuando, por mais rápida que seja – e nem foi o caso – ela enche a tela. E sua expressão é aquilo que a gente sabe que não há curso capaz de ensinar.

Ou você sabe, ou tenta a construção civil.

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Dizer o quê da italiana Giovanna Mezzogiorno? Eu quero uma pra mim?

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É, é verdade, eu gosto de frases grandes.

2.1.08

Deus exista e cuide de você.




Valeu amiga.

Que Deus tenha a misericórdia de existir e cuide de você.

Nós ficaremos carregados de saudades e lembrando quantas vezes gargalhamos, ouvimos boa música, fizemos churrascos e fizemos a vida ter sentido.

Ficamos teus fãs e teus órfãos.
Ficamos teus aprendizes e irmãos.




A vida será sempre a velha flor de Drummond
Com este hábito de ser feia e ser flor e furar asfaltos e nojos, e tédios e pressas.

E você é o intervalo em que a flor é apenas flor
E o mundo deveria se colocar em silêncio...